CONTO – Cotidiano – 07.08.2014
 
CONTO – Cotidiano – 07.08.2014
 
 
O Mané Borborema é um sujeito simples, bem entende de futebol, tanto é assim que fora contratado para dirigir os grupos de base desse esporte no seu clube. Pra quem não sabe, categoria de base representa o antigo juvenil, melhor dizendo, infanto-juvenil, numa época em que tínhamos até campeonatos estaduais de “aspirantes”, ou seja, daqueles futebolistas que tinham ultrapassado a idade limite, e ficavam como reservas da equipe principal. Aspiravam ser titulares algum dia, mas nem sempre dava certo e eram transferidos para outras equipes.
            Esse rapaz sabia como revelar verdadeiros craques, e os conhecia já nos primeiros contatos com a bola; e na escolinha era a primeira coisa que mandava o pretendente fazer: Entregava-lhe uma bola e pedia que mostrasse suas habilidades; era tiro e queda. Os que demonstravam intimidade com a pelota eram colocados num lado, enquanto aqueles que a chamavam de “senhora” iam pra outro canto, e poucos eram aproveitados. Aqueles de melhor discernimento certamente dariam boas promessas para armar jogadas, atuar no meio de campo ou na defensiva e até atacantes e goleadores. Pra goleiro os testes eram outros. Alguns nomes ainda reluzem pelos campos deste mundo, graças ao Borborema, que abandonou as lides desportivas por motivo de saúde.
            Hoje em dia criaram as divisões: Sub13, 15, 17, 20 e 23, que vão dando resultado, existindo até mesmo torneios mundiais nessas categorias, com o aparecimento de atletas verdadeiramente “cobras” na arte da bola de futebol. Tudo, evidentemente, sob os auspícios da FIFA – Federação Internacional de Futebol Associação, e isso traz benefício aos jogadores, eis que se tornam rapidamente conhecidos no cenário esportivo mundial, com reflexos financeiros para eles e também para os agentes reconhecidos e autorizados pela entidade máxima do futebol. Esses cidadãos detêm o monopólio de negociar seus “passes”, que hoje apelidaram de “direitos federativos”, que é uma denominação mais chique, isso desde o advento da Lei Pelé, sobre a qual não quero comentar, eis que foi a maior desgraça para os nossas associações futebolísticas. Ainda tenho fé de que ela cairá, sem dúvidas.
            Aqui no Brasil já se tornou rotina o treinamento de jovens promissores, e quando menos se espera lá aparece um procurador que antes não existia, e passa a manobrar a vida do novel atleta, e muitas vezes essa pessoa é seu próprio pai. O clube que gasta dinheiro com a formação profissional é quem mais perde, porquanto investiu um bom numerário, mas foi surpreendido repentinamente até mesmo por procuradores “faz de conta”, “fantasmas”. No momento atual há garotos de cinco anos que já possuem seu representante, seu guia e/ou seu defensor.
            Mas o pior de tudo, a meu entender, é quando o atleta passa a integrar a equipe principal (geralmente ganhando menos do que os jogadores que vêm de fora), pois começam a surgir pressões de todos os lados, até mesmo do interessado e da imprensa, na renovação de seu vínculo empregatício com o clube, na maioria das vezes antes do termo do contrato, porquanto o alvo maior reside no reajuste dos vencimentos, o que me parece lógico e correto. Se um jogador tem futebol igual ou superior a um que ganhe mais é perfeitamente viável sua promoção. Todos, normalmente, são atendidos. Há salários que decuplicam e dali pra frente o cidadão muda completamente seu rumo de vida para cima, ficando muito difícil de acostumar com uma possível queda mais adiante. A primeira coisa que faz é comprar um belo carro para desfrutar de sua nova estrutura salarial.
            Mas há um detalhe que considero pernicioso, que para acontecer torna-se necessária a participação de pelo menos um diretor de cada clube, o atleta e uma federação. Senão vejamos: É que o atleta nas condições acima, supervalorizado após a renovação do contrato, não mais que de repente, aparece vinculado a um clube que dele nunca se ouviu falar, geralmente de uma cidade longe, obrigando a que o clube atual passe a adquirir parte de seus direitos federativos, o antigo “passe”. E aquele jovem promissor passa a ter dois donos ou até mais, inclusive ele próprio, de sorte que na hipótese de ser negociado, coisa que não é difícil, várias pessoas vão faturar em cima de um bem que era exclusivo do clube formador.
            Pois o Borborema me contou, por baixo dos panos, a fim de não ter de provar na justiça, que um time tradicional ainda em atividade, viu-se na iminência de fazer uma falcatrua como a que se falou linhas acima. Renovou antecipadamente o contrato de um atleta que estava jogando às mil maravilhas, todavia teve de inventar que ele pertencia a um clube chinês, detentor de seus direitos federativos, estimados em R$ 20 milhões. Então adquiriu 50% desse valor, (ninguém sabe aonde arranjou dez milhões que pagou de mentirinha), reservou 40% do passe ao clube “espírita”, ou para algum empresário, ficando o jogador com 10%, percentual que lhe será pago na hipótese de comercialização para outro clube. Quase tudo uma ficção, porque no futebol tudo é imaginário. Nada é publicado, nem mesmo o balanço das associações, isso com raríssimas exceções.
            Custou-me acreditar nisso, até porque penso que todo mundo é honesto até provar o contrário. Todavia, terminei por corroborar com o meu amigo, que razão alguma tinha para inventar, mentir, e essa é uma das razões do por que os clubes estão no fundo do poço, devendo a Deus e ao mundo, enquanto há dirigentes ricos e abonados, não agravando a todos, mas se dirigir futebol fosse ruim ninguém arriscaria presidir um clube com tantas dívidas, fato corriqueiro neste país, e são compromissos impagáveis, salvo se houver “perdão” por parte das autoridades governamentais competentes, hipótese em que o dinheiro sai do nosso bolso; mas qualquer que seja a solução, mesmo pagando, a origem da verba é nossa, não tem jeito.
            Bom lembrar que na hora da venda para o exterior, quer dizer na exportação daquele gênio da bola, chega o negociador oficial da FIFA e participa com sua comissão, pois não é relógio pra trabalhar de graça. Imagine-se que tem clube devendo ao governo, esse que faz vistas grossas nessas transações ao invés de descontar o que lhe pertence... Até pelo motivo de que negócios em moeda estrangeira devem ser feitos oficialmente através do Banco Central do Brasil.
            Por falar nisso, o ex-atleta, goleiro, Gilmar Rinaldi, empresário oficial FIFA (para jogadores) acaba de ser premiado com o comando da comissão técnica de nossa seleção nacional um dia após haver deixado essa função, segundo ele... será? Estou batalhando com a minha consciência para acreditar nisso. Enquanto isso, o famoso “Galinho de Quintino”, o grande Zico, que treinou algumas seleções de outros países não é lembrado pelos cartolas, penso que tudo por conta de não haver ganhado a Copa do Mundo de 1982, sob o comando do famoso Telê Santana.
            No finalzinho da conversa, ainda me contara o Borborema que há casos de convocação de atletas sem condições de defender a camiseta do Brasil, isso com o fito de valorizar seu “passe” e distribuir o lucro com os responsáveis pela indecência. Desgostoso, meu amigo talvez tenha adoecido por isso e está fora do futebol.
 
Fico por aqui.
 
Ansilgus.
 Imagem GOOGLE de um CT em São Paulo.
ansilgus
Enviado por ansilgus em 09/08/2014
Reeditado em 04/11/2019
Código do texto: T4915779
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