CONTO – Cotidiano – 06.08.2014
CONTO – Cotidiano – 06.08.2014
Contou-me, meu velho pai, que Deus o tenha no mais lindo jardim do céu, que havia tomado um padrinho de batismo para mim, quando criancinha. Todavia, por uma coisa e por outras, nada de o evento sair, porquanto um homem muito atarefado, de origem portuguesa, sendo que o meu pai era praticamente negro, cujo trabalho era como operário dos Grandes Moinhos do Brasil, Moinho Recife, grande empresa multinacional no ramo do “trigo”, que era a única a distribuir esse precioso produto às padarias e indústrias do ramo aqui nesta capital.
O tempo foi passando e eu crescendo sem batismo, de sorte que quando estava com doze anos (isso na época não se admitia entre os católicos), o meu padrinho adoeceu gravemente, não tendo podido realizar seu desejo, fato que obrigou à família conseguir outra pessoa do bem para fazê-lo. Tratava-se do doutor Ary, funcionário de escol da referida empresa, que em uma semana resolveu tudo, mas sem nenhuma festividade. Nesse dia foram batizadas quase cinquenta crianças. O padre ainda tentou, mas não conseguiu me carregar para por minha cabeça na pia e banhá-la com aquela água benta já tradicional.
Esse negócio de compadre era muito sério. Necessário e imprescindível que se conhecessem as pessoas envolvidas, em face de que se pudesse ter confiança um no outro, principalmente no que se refere ao comportamento público-social. Mentiras não eram admitidas, o bigode atestava como verdadeiras as palavras, salvo por necessidades extremas, mas houve gente que não queria acreditar que meu quase padrinho era uma pessoa doente, extremamente frágil, tanto que poucos dias antes do batizado ele falecera, e como homem bom deve estar morando ainda hoje perto de Deus.
Pois é, alguns dias depois, o meu padrinho teve de ser transferido para Fortaleza, promovido que fora a Gerente geral da filial da firma, distância que nos levou a perder o contato, pois nem mesmo telefone nós tínhamos em casa, até por que o velho faturava um salário mínimo, que era insuficiente até mesmo para a manutenção da família. Complementava o ganho com o exercício da profissão de encanador nos bairros arredores da Encruzilhada, tais como Hipódromo, Campo Grande, Arruda, Água Fria, e até mesmo serviços de vizinhos da vila onde morávamos que era numa viela, de apenas sessenta e seis casas, construídas pelos patrões e posteriormente vendidas aos seus funcionários mais antigos. Meu pai foi contemplado com a aquisição de uma unidade, a preço baixíssimo, em longo prazo. Eu o auxiliava nesses empreendimentos nas horas de folga dos estudos. Sim, porque ele jamais me ocupou com algo que me fizesse perder aulas, até porque a sua esperança era a de que me formasse nalgum dia e lhe mostrasse o competente diploma. E assim fora feito, graças a Deus.
Bom que se diga que os canos eram de ferro, diferentemente dessa moleza de hoje, quando o PVC tomou conta de tudo, livrando os usuários daquela ferrugem que corroia a encanação e dava uma trabalheira dos seiscentos diachos para limpá-la. Ainda me lembro, como se fora hoje. Manuseando uma gambiarra de ferro um pouco retorcida, íamos enfiando e rodando aquele “trem”, de maneira que os “trombos” que vedavam a passagem do precioso líquido, digamos assim, iam se soltando e saindo aos poucos na ponta do cano, movidos pela água que passava a correr da torneira. No final dos trabalhos: -- Quanto é que devo, perguntava o proprietário? – Dê-me qualquer coisa pra ajudar nas despesas, respondia o meu bondoso pai. E com aquele dinheirinho no bolso saía contente e satisfeito, passávamos na padaria, comprava-se o pãozinho do café e rumávamos pra casa para fazer o banquete. Sim, porque o costume lá de casa era nos alimentarmos com “pão dormido”, que era mais barato, e minha mãe sabia como prepará-lo com leite de coco, assim como uma sopa, que ficava uma gostosura. Hoje em dia, quando sobra pão de um dia pra outro aqui em casa e falo sobre o assunto ninguém sabe fazer uma besteira dessas... Mas se abrir a carteira e mandar comprar um queijo do reino é pra já, a alegria é geral...coisas da vida moderna.
Sobre o meu padrinho Ary eu voltei a manter contato com ele trinta anos depois, por conta da minha profissão, quando, por seu intermédio, consegui captar recursos de alguns clientes do Moinho para a agência do banco que eu dirigia em Recife, na forma de “over night”, que eram operações da virada da noite, ou seja, você aplicava o dinheiro hoje e já no dia seguinte bem cedinho os rendimentos lá estavam na sua conta.
Perdi meu pai, minha mãe e hoje só me resta uma irmã dos seis filhos concebidos pelos meus velhos, e pra falar a verdade não sei se o doutor Ary ainda está vivo; penso que não. Tentei localizar sua família em Fortaleza, entretanto sem sucesso. Paciência!
O tempo foi passando e eu crescendo sem batismo, de sorte que quando estava com doze anos (isso na época não se admitia entre os católicos), o meu padrinho adoeceu gravemente, não tendo podido realizar seu desejo, fato que obrigou à família conseguir outra pessoa do bem para fazê-lo. Tratava-se do doutor Ary, funcionário de escol da referida empresa, que em uma semana resolveu tudo, mas sem nenhuma festividade. Nesse dia foram batizadas quase cinquenta crianças. O padre ainda tentou, mas não conseguiu me carregar para por minha cabeça na pia e banhá-la com aquela água benta já tradicional.
Esse negócio de compadre era muito sério. Necessário e imprescindível que se conhecessem as pessoas envolvidas, em face de que se pudesse ter confiança um no outro, principalmente no que se refere ao comportamento público-social. Mentiras não eram admitidas, o bigode atestava como verdadeiras as palavras, salvo por necessidades extremas, mas houve gente que não queria acreditar que meu quase padrinho era uma pessoa doente, extremamente frágil, tanto que poucos dias antes do batizado ele falecera, e como homem bom deve estar morando ainda hoje perto de Deus.
Pois é, alguns dias depois, o meu padrinho teve de ser transferido para Fortaleza, promovido que fora a Gerente geral da filial da firma, distância que nos levou a perder o contato, pois nem mesmo telefone nós tínhamos em casa, até por que o velho faturava um salário mínimo, que era insuficiente até mesmo para a manutenção da família. Complementava o ganho com o exercício da profissão de encanador nos bairros arredores da Encruzilhada, tais como Hipódromo, Campo Grande, Arruda, Água Fria, e até mesmo serviços de vizinhos da vila onde morávamos que era numa viela, de apenas sessenta e seis casas, construídas pelos patrões e posteriormente vendidas aos seus funcionários mais antigos. Meu pai foi contemplado com a aquisição de uma unidade, a preço baixíssimo, em longo prazo. Eu o auxiliava nesses empreendimentos nas horas de folga dos estudos. Sim, porque ele jamais me ocupou com algo que me fizesse perder aulas, até porque a sua esperança era a de que me formasse nalgum dia e lhe mostrasse o competente diploma. E assim fora feito, graças a Deus.
Bom que se diga que os canos eram de ferro, diferentemente dessa moleza de hoje, quando o PVC tomou conta de tudo, livrando os usuários daquela ferrugem que corroia a encanação e dava uma trabalheira dos seiscentos diachos para limpá-la. Ainda me lembro, como se fora hoje. Manuseando uma gambiarra de ferro um pouco retorcida, íamos enfiando e rodando aquele “trem”, de maneira que os “trombos” que vedavam a passagem do precioso líquido, digamos assim, iam se soltando e saindo aos poucos na ponta do cano, movidos pela água que passava a correr da torneira. No final dos trabalhos: -- Quanto é que devo, perguntava o proprietário? – Dê-me qualquer coisa pra ajudar nas despesas, respondia o meu bondoso pai. E com aquele dinheirinho no bolso saía contente e satisfeito, passávamos na padaria, comprava-se o pãozinho do café e rumávamos pra casa para fazer o banquete. Sim, porque o costume lá de casa era nos alimentarmos com “pão dormido”, que era mais barato, e minha mãe sabia como prepará-lo com leite de coco, assim como uma sopa, que ficava uma gostosura. Hoje em dia, quando sobra pão de um dia pra outro aqui em casa e falo sobre o assunto ninguém sabe fazer uma besteira dessas... Mas se abrir a carteira e mandar comprar um queijo do reino é pra já, a alegria é geral...coisas da vida moderna.
Sobre o meu padrinho Ary eu voltei a manter contato com ele trinta anos depois, por conta da minha profissão, quando, por seu intermédio, consegui captar recursos de alguns clientes do Moinho para a agência do banco que eu dirigia em Recife, na forma de “over night”, que eram operações da virada da noite, ou seja, você aplicava o dinheiro hoje e já no dia seguinte bem cedinho os rendimentos lá estavam na sua conta.
Perdi meu pai, minha mãe e hoje só me resta uma irmã dos seis filhos concebidos pelos meus velhos, e pra falar a verdade não sei se o doutor Ary ainda está vivo; penso que não. Tentei localizar sua família em Fortaleza, entretanto sem sucesso. Paciência!
Fico por aqui.
Ansilgus.
Foto: NET/GOOGLE