Ue

A poesia escolheu Ue, assim com Cortazar, Leminski, Borges e Bukowski, a escolheram. Nasceu gaga, não tinha como ser oradora, não era popular para fazer teatro, desengonçada, patinha feia da turma, não poderia ser musicista, nem dançar sem tropeçar no próprio pé. A tal da poesia então sem saber muito que fazia, nem sabia com quem estava se metendo, puxou -a pelos seus cabelos para seu lado e, confidenciou que a poesia carrega em si todas as artes do mundo. Que as palavras têm som, dançam, gritam, interpretam, têm vontades, medica, envenena, dá tesão.

Ue escolheu a poesia, não nasceu com dom, afinal quem é esse tal de dom? Ouviu falar dele, correu atrás, enlaçou, maltratou este tal de dom, pobrezinho. Agora ela escreve. Ainda que rimas repetidas, palavras viradas, sujas, tortas e desengonçadas como ela mesma.

Escrevendo ela se sente bem, encontrou seu ser aí no mundo, vai ao banheiro, escreve, almoça escreve, anda de ônibus escreve, tudo é inspiração, abstração, ainda que só eu a leia.