Pequenas histórias 46

Uma história de Natal.

Tiritando de frio, sentado na caixa de engraxate, contava as moedas. Contente, o dia tinha sido bom, além do que aquele senhor, cadê ele? Sumiu de repente! Agora mesmo passou por mim e deixou cair em minhas mãos um punhado de moedas. Teria sido um fantasma? Claro que não, não acreditava em fantasmas. No entanto não perceberá a aproximação dele, somente viu as moedas caindo em suas mãos. Mal levantou a cabeça para agradecer. Não reparou direito no rosto. Assim como ele apareceu sumiu. Quem seria? Não quis pensar muito não, voltou à contagem das moedas. Nossa talvez uns dez reais... Recomeçou a contagem. Achegou-se mais para baixo da marquise para fugir da garoa e aproveitar mais a luz. Nossa! Quase vinte reais! Levaria algo para casa. Para a irmã doente. Um presente, já que é Natal. Não presente não, o melhor seria comida, isso mesmo levaria comida.

Coitada não tinha culpa por ter nascido doente. Bêbada a mãe se acusava e acusava o marido por ter abandonado eles. Mal cuidava da filha. Gritava com a pequena que mal entendia. Sofrendo da síndrome de Dawn, dissera o médico quando nascera, sozinha com os dois filhos, fraca se entregara a bebida. Sóbria conseguia fazer alguma coisa, uma comida sonsa, simples sem muita sustância, mas fazia. Embriagada não fazia nada. Por sorte, dona Rita, que vivia no barraco ao lado, dava comida, lavava, cuidava da irmã.

Agora com aqueles quase vinte reais, poderia levar algo melhor para irmã e, por que não, para ele também. Só tinha que esconder o dinheiro para a mãe não gastar em pinga.

Enfiou todo o dinheiro no bolso. Colocou a caixa de engraxate nas costas e se pôs a caminhar. Não vou pegar ônibus não, vou a pé, apesar da distância. Feliz caminhava rente à parede fugindo da garoa. Apressou o passo. Talvez andando depressa se esquentasse um pouco. Nisso ouviu um voz conhecida gritar. Oh! Almofadinha veado. Era o Dotado. Esquecera do pilantra. Dotado, engraxate como ele, cobrava dos meninos que trabalhavam na sua área, área que ele conclamava como sua, uma taxa, e, aqueles que não tinham dinheiro pagavam com prazeres sexuais. Moleque, tendo o físico de lutador de boxe e o membro avantajado, por isso o apelido de Dotado, dominava os mais fracos, o qual tirava proveito da situação. Estava sempre cercado de cinco ou sete meninos bajuladores, medrosos de apanhar ou ser por ele enrabado.

Almofadinha era ele chamado porque estava sempre bem vestido. Isto é, não se vestia como eles, sujos, esfarrapados, demonstrando realmente o que eram. Ele procurava sempre vestir roupa limpa, não precisava ser passada a rigor, mas que demonstrasse cuidado, com isso conseguiu maior clientela que seus amigos moleques de rua. Por isso, foi apelidado de Almofadinha.

Agora estava ali de frente com Dotado a exigir sua taxa de pagamento. Não queria pagar e, por outro lado, não podia fugir. Da última vez em que se encontraram, foi dominado pelos bajuladores de plantão, subjugado pagou em felação tendo a garganta machucada, não podendo por vários dias engolir direito. Da próxima vez que mentir, vou comer o teu rabo, gritou Dotado ao seu ouvido. Não ele não entregaria o dinheiro para esse malandro não. Tinha um plano bolado na hora. E aí, veado almofadinha do caralho, vai pagar a taxa ou vai querer o que? Sem pensar, respondeu.

Vou te chupar e depois se você quiser pode me comer. Ua! Gritou Dotado assim que eu gosto, vamos lá então, venha. Disse abrindo a braguilha e expondo o membro para fora. Almofadinha devagar, se ajoelhou se aproximou e sem que vissem, deixou a lamina escorregar pela manga da blusa, caindo em sua mão. Ao mesmo tempo em que seus lábios tocavam a glande intumescida, os dedos se fecharam em volta da lamina e rapidamente o golpe foi desferido. Dotado urrou, dobrou o corpo, ensanguentado caiu ao chão berrando como bezerro sem mãe. Filho da puta matem o veado, chorou rolando de dor. Almofadinha, ligeiro correu pela avenida. Não olhou para trás. Sabia que os asseclas do Dotado o seguiam. Ágil nos pés dobrou a esquina, atravessou a rua ao mesmo tempo em que ouviu uma freada e um baque.

Pela primeira vez, depois de quase dez anos, a irmã do Almofadinha esboçou um sorriso e uma lágrima escorreu por sua face e seus olhos se fecharam feliz.

O relógio da sala batia precisamente meia-noite anunciando o Natal.

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Pastorelli
Enviado por Pastorelli em 01/08/2014
Código do texto: T4905273
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