340-EXAME DE PATERNIDADE-Bom Humor

— Seu Prefeito, o doutor delegado chegou com o resultado do exame.

— Manda ele entrar, meu filho.

O rapaz mal vestido, desengonçado, cabelo comprido sem pentear e barba por fazer fecha a porta do gabinete do prefeito e volta à sua própria sala de trabalho, em cuja porta se lê SECRETÁRIO.

— O doutor pode entrar, o prefeito tá esperando o senhor.

O homem atarracado,careca lustrosa, gordo e metido em roupas folgadas demais, que lhe despencam pelo corpo, levanta-se e segue até o fim do corredor.

— Dá licença?

— Entra, entra, dr. Ramiro. — Levantando-se, o prefeito de Serra Seca estende a mão ao visitante. — Então, a que devo a honra da visita? — Pergunta, fingindo ignorar a missão da autoridade policial.

— Acabo de receber o resultado do exame... — Não se sente à vontade para prosseguir.

— Fala, homem! Pode desembuchar. Não tenho medo de saber.

— O senhor é mesmo pai do Geraldinho da Leocádia.

Serra Seca está situada no norte do estado, região atrasada, às margens do Rio das Piranhas, que só existe nos anos de inverno muito chuvoso. A miséria de seus habitantes é crônica. Uma pasmaceira domina a cidade e seus habitantes. No interior do município a situação é ainda pior. Lugar esquecido de Deus e dos homens.

Mas nem por isso deixa de ter atrativa para os políticos. Sempre há aqueles que se interessam pelo município, pelas suas rendas e pelo poder. Como o próprio prefeito, Neco Bodeguim, que costuma dizer é melhor mandar no inferno do que obedecer no céu.

Proprietário de um trato de terra na Grota Verde, local úmido e de alguns alqueires de bom pasto, é o melhor aquinhoado em todo o município, atravessando os tempos de seca sem se preocupar. Principalmente depois que um poço artesiano foi perfurado em suas terras, por obra e arte de seu amigo deputado Guilhermino Fogaça.

Francisco Firmino Romão sempre fora um homem de sorte. Criado ali mesmo, casara-se com Jordelina, a filha única do coronel Juvêncio, e dele herdara as terras. Fogoso, não satisfeito com a numerosa prole (embuchara a mulher quinze vezes) saia bodeando pela região. Daí o apelido, do qual tinha até certo orgulho.

— Cabrão, sim. Mulher que bobeia na minha frente, tá no papo. — Gabava-se e com razão. Entre um filho legítimo e o próximo, emprenhara muitas meninas e mocinhas, comido viúvas e até mulheres do alheio. Era doido por mocinha virgem.

Todo mundo conhecia os diversos meninos e meninas que tinham sido gerados por Neca Bodeguim. Entretanto, ninguém comentava, pois o homem era poderoso, tinha influência e era o prefeito perpétuo da pequena cidade.

Leocádia, morenaça de pernas roliças e corpo bem formado, era mãe solteira, cuidava com dificuldade do filho Geraldinho, de quatro ou cinco anos. Esperto, à medida que crescia dava trabalho dobrado à mãe, que vivia de bicos: ora era lavadeira de roupas, ora faxineira, e coisas assim. Todo mundo sabia que o filho era do prefeito, feito quando a moça ajudava Dona Jordelina, a mulher de Neco, nas lides da casa.

Apesar da desdita da vida, da existência miserável que levava e do trabalho que lhe dava o menino, Leocádia mantinha o viço e os trejeitos de mulher apetecível. Não tardou, pois, que fosse objeto da atenção dos homens que passavam por Serra Seca. Janjão Gorgulho chegou, viu e levou a morena para morar consigo. O moleque foi junto e constituía uma inconveniência para Janjão. Inconveniente do qual Janjão, comerciante e homem prático, procurou tirar proveito. Sabia que era filho torto de Neca Bodeguim e, devidamente orientado pelo doutor Caldeira, típico advogado de porta-de-cadeia, levou Leocádia ao fórum, para requerer a paternidade de Geraldinho.

— A Leocádia ia com todo mundo. Não vou ser bode expiatório. — Bodeguim ficou bravo, gritou, ameaçou meio mundo, mas não teve como se safar de prestar depoimentos, invocar testemunhas compradas, naturalmente, a peso de ouro ou sob ameaças. — Sim, a moça trabalhou lá em casa, pra minha mulher, mas já faz tanto tempo que nem me lembro mais.

O delegado, não querendo expor seu companheiro político a maiores vexames, explicou que o meio definitivo de esclarecer a questão era fazer um exame de DNA.

Sem saber do que se tratava, Bodeguim concordou, forneceu o material pedido e esperou o resultado, pensado isto é mais uma besteira desses caras da capital.

— Pois é, seu Neco, o exame prova que o senhor é o pai do menino da Leocádia. — O delegado mostra um formulário com palavras técnicas, cheio de carimbos e assinaturas.

— Mas que exame? Como é que pode esse papel provar que sou pai do menino.

— É o exame de DNA. Não tem erro.

— Num acredito nesse exame. Num prova nada. Não prova que o garoto é meu filho. — Parte para a bravata. — Esse caras sabem com quem tão lidando? Sou o prefeito de Serra Seca. Isso é armação política.

— Não, seu prefeito, infelizmente não é nada disso. O exame de DNA, nesses casos de paternidade, é infalível.

— Como é que vou acreditar nessa palhaçada? — Recostando-se na poltrona, procura readquirir a confiança. Sorri para o delegado e a palavra final, que, pensa, irá encerrar o definitivamente o assunto.

— Aliás, pra falar a verdade, não conheço nem sei da competência dessa tal doutora Dê Eneá.

Antônio Gobbo –

Belo Horizonte, 17 de abril de 2005

Conto # 340 da Série Milistórias -

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 29/07/2014
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