O DESMASCARADOR DE NOTÍCIAS (Pt.2)
A conversa com a atendente no guichê 7 não foi nada boa para Francisco. A moça disse para ele que havia algumas vagas em aberto, funções modestas que não se relacionam com a experiência e valores de remunerações percebidas anteriormente pelo rapaz, mas que não requerem conhecimento específico e só adquirido a longo prazo, ao que Chico não fez qualquer objeção quanto a agarrar.
Ele reconhecia que a razão da sua permanência no grupo dos desempregados que estão à beira da linha da pobreza era a sua qualidade como trabalhador. Não fosse seu alto currículo lhes dariam oportunidade para empacotar produtos em um supermercado e com isso resgatar sua dignidade. O papo furado de "ter ambição", "não aceitar rebaixamento", "você é muito bom" ou "você tem que impor sua qualidade" ele já sabia que só existe para garantir que o indivíduo faça investimentos em reciclagens e se esforce para permanecer entre os que se contentam com pouco construindo riquezas para os outros. Se o achassem mesmo valioso, por que ele estaria com tanta dificuldade para empregar-se e por que quando ele conseguia alguma coisa em sua área para fazer não lhe davam o devido valor? Ele se perguntava mentalmente.
Porém, logo que a mulher ouviu dele que é relevante para ele a função ou o salário que constituem a vaga que ela tivesse, ela virou-se para o computador à sua disposição e voltou a consultar as informações sobre a requisição em questão. Nisso, ainda olhando para a tela do monitor de vídeo, ela leu detalhes que não agradaram nem um pouco o cinquentão à espera de uma chance. A vaga se referia à pessoas com até quarenta anos de idade. Outra era limitada a mulheres e outra a quem tivesse experiência na função de serviços de limpeza de recintos. Esta última ele não conseguiu conter o riso sarcástico ao ouvir a solicitação. Ora, Chico morava sozinho havia dez anos e era obrigado a se aprimorar em serviços gerais diariamente. Havia em sua residência um cômodo com características de escritório e ele podia usá-lo como argumento se fosse lhe dada a chance de contra-argumentar quanto a questão de ambientes domésticos serem diferentes dos funcionais. Saiu do SINE sem nada. Mais uma vez.
Valmir ainda estava lá fora falando ao celular com o contato da oportunidade lhe encaminhada quando Chico o avistou e foi até ele. O amigo estava furioso. Ele não deu tempo para a concorrência e tratou de ligar para marcar sua entrevista, como fora lhe orientado, logo que passou pela porta de entrada e saída da repartição. Do outro lado, o contato lhe disse que a vaga já estava preenchida. Talvez, por algum meio de comunicação eletrônica interno, seus dados foram parar à mesa do recrutador e com isso ele o pode avaliar e decidiu que se tratava de alguém com grande qualidade e com compromissos rígidos para arcar. E por causa disso o descartou, imaginando que ele deixaria o emprego em pouco tempo. É um pouco de paranoia pensar assim, admitia Valmir, mas, sendo da área de administração de recursos humanos, ele sabia que isso era o trivial dos recrutadores pensarem e usarem como critério para eliminar candidatos. Talvez a vaga estivesse aberta ate então no banco de dados do SINE, mas já havia realmente sido ocupada. Não descartou essa possibilidade, o administrador de empresa.
O sistema público é muito falho e relapso em diversas questões. Cada funcionário do setor quer apenas justificar sua ida ao trabalho, cumprir metas sem se importar com integridade e pegar seu dinheiro ao final do mês.
–Pensei que já tivesse ido! Disse Chico para o amigo.
– Nada. Foi bom eu ter ligado antes de sair daqui, pois vou dizer para esses incompetentes do SINE que o encaminhamento que me passaram não estava em concorrência e que eles devem prestar atenção pois quem está à procura de emprego não pode se dar o luxo de gastar qualquer centavo com passagens de ônibus e ligações telefônicas inúteis. Vou querer de volta o crédito da operadora de celular que gastei.
– Relaxa! Fazem isso com todo mundo. Eu também já passei por isso nessas minhas vindas até aqui. Acho que tentam deixar as pessoas esperançosas de que há vagas no mercado e mantê-las motivadas a correr atrás.
– Pessoas motivadas a vir até aqui procurar vagas é o que garante o emprego deles, não é?
Riram os dois companheiros de infância. Valmir conseguiu dissipar a ira. Fez questão apenas de anotar o nome da empresa que lhe negou oportunidade, uma drogaria, para deixar de ser cliente dela e propagar seu caso para que outros façam o mesmo. "Ninguém tem que colaborar com ninguém que não pode colaborar reciprocamente", pensou. Os selecionadores de candidatos à vagas de emprego irão pensar bastante antes de destruir com critérios estúpidos as esperanças dos que lhes suplicam oportunidade quando isso significar para a empresa perda de consumo.
E caminharam juntos para outro local. Comentaram que era uma estratégia de risco a simulação de oportunidades, pois o tiro poderia sair pela culatra. Quantos, de tão desesperados que ficam por conseguir encaminhamentos e não serem aproveitados como se não servissem para nada mais, tentam o suicídio? Se lembraram de uma estatística e gastaram um tempo falando sobre a parte moral da causa dela. Chico, então, se lembrou da manchete que leu em um suposto caderno de jornal que aborda a economia do país, que dizia ter a taxa de desemprego despencado, e cogitou ser isso também um fomentador psicológico para aqueles desesperançados que estão em busca de emprego e que entrassem em contato com o enunciado do jornal. Isso o fez lembrar também de que estava a discorrer sobre uma ideia antes de rumar-se para o guichê de atendimento e pensou que desenvolvê-la juntamente com o colega administrador pudesse ser boa estratégia.
"Duas cabeças pensam melhor do que uma". Chico pensou isso, se lembrando que na adolescência ambos, ele e Valmir, faziam muitas coisas juntos e prosperavam com elas. Até tentaram bancar os sócios em uma investida, na qual eles demarcaram duas regiões para vender os picolés em saquinho, chup chup, que eles mesmos produziam em suas casas. A administração de torneios de futebol e do próprio time que eles integravam também ficavam por conta deles. Juntos eles eram bastante hábeis. Empatias não envelhecem, por isso, o reencontro dos dois poderia estar a servir de motivo para que eles abandonassem de vez o miserê da vida de desocupado, ao mesmo tempo que se despediam da vida de ter que trabalhar como empregado para firmas em que só seus donos é que enriquecem e vivem realmente sem privação ou preocupações vitais.
Continuaremos nossa história na próxima parte.