O elefante, o armário e a mulher do padre
A rua Ubaldo Otomano Leite ficava em um bairro legal, bonito. As casas eram novas, tinham portão automático, ostentavam jardins floridos, cores vivas. Todos os vizinhos se conheciam e se ajudavam. Nos finais de semana as crianças andavam de bicicleta e as famílias se encontravam na calçada para falar de quem não estava ali. Quem sempre estava lá, sentado na sua cadeira de fio, fumando seu cigarro e bebendo sua cerveja, era o Seu Vitor. Engenheiro aposentado, era casado com a Dona Clô, que ainda trabalhava como professora.
Quando Seu Vitor era só Vitinho, correndo pela rua ou sofrendo Bullying porque usava uma mochila do Ursinho Puff, toda hora escutava alguém falar “quem chegar por último é a mulher do padre”. Um fim de tarde, depois de perder duas vezes na corrida para seu primo e um amigo dele, ele descobriu no vestiário da escola o que significava ser a mulher do padre. Depois ele descobriu porque nunca ninguém sabia quem era a mulher do padre. Porque ser a mulher do padre significava que o padre fazia coisas com você que você não pode contar para ninguém. Porque o padre tinha vergonha da mulher, e a mulher do padre.
Sempre que Dona Clô estava em casa, Seu Vitor estava na frente do portão fumando seu cigarro e bebendo sua cerveja. Algumas vezes ela se sentava ao seu lado, sempre com um copo de água, e os dois ficavam ali algum tempo olhando o movimento. Somente um observador muito atento, e sem mais nada para fazer ou pensar, perceberia que assim que Dona Clô saia para trabalhar, Seu Vitor recolhia suas coisas e voltava para dentro de casa. A professora passava a tarde inteira na escola dando aula, e neste tempo o velho Senhor recebia a visita de um ou dois rapazes diferentes, que nunca ficavam mais que meia hora.
Um desses rapazes começou a frequentar a casa de Seu Vitor, porque tinha sido aluno de Dona Clô, que ajudava ele com a matemática. Com ou sem Dona Clô, Ricardo sempre estava lá. A conta mulher + padre + perdedor somava um total que deixava Seu Vitor bem perto da loucura. Porque se alguém soubesse sobre o que aconteceu na escola com o Vitinho, que ele era a mulher do padre, Seu Vitor ia ter que viver num apartamento sujo no Largo do Arouche com prostitutas, travestis e viciados. Porque Seu Vitor sabia que uma linha reta é o caminho mais curto entre dois pontos, ele sabia que tinha que cortar a linha solta.
Naquele dia as coisas pareciam que iam acontecer como na maior parte das tardes. Dona Clô saiu para dar aula, Seu Vitor colocou a cadeira para dentro e Ricardo chegou menos de vinte minutos depois. Quando ele pisou com os dois pés no meio do plástico preto esticado na sala levou um tiro pelas costas. Assim que caiu Seu Vitor se aproximou e lhe acertou a cabeça. Enrolou o corpo no saco e enterrou no jardim dos fundos, perto da churrasqueira que tinha construído alguns anos antes. Pegou areia, cimento e tijolos e começou a construir uma pequena capela no mesmo lugar, onde algum tempo depois batizou seu primeiro neto.