330-JOGO DE BAFO - Memórias da infância

JOGO DE BAFO

Ver conto 812- Jogo de Bafo e Marcas de Cigarros

— Não, essa figurinha não vale! Tá rasgada no meio! — Zezinho reclama.

— Vale, sim! Ainda tem a cara do Tarzan! — Tonico insiste.

— Cê num tem outra? Troca, vai. — Neca pergunta.

— Tá bom. Anda, põe essa mesmo. Joga logo. — Zezinho concorda.

Pés no chão, cabelos espetados e despenteados, suspensórios compridos demais para os corpos pequenos, calças curtas e largas, a garotada divertia-se à sua maneira, no jogo do bafo, na calçada defronte à venda do Seu Abdala. Havia figurinha de tudo quanto é jeito: fotos de artistas de cinema grandes (encontradas nos maços de cigarro Clássicos) e pequenas (vinham junto com as balas Fruna, próprias para serem coladas em álbum muito difícil de ser encontrado); ou marcas de cigarro. Eram pedaços cortados dos maços de cigarros do tipo americano. As marcas de cigarros ovaes não serviam, pois as caixinhas eram de papelão, pesado demais para as mãos pequenas do jogadores-mirins.

— Tá roubando, assim não vale. — Tonico,o menor da turma, era o mais encrenqueiro. — Cuspe na mão num vale, a gente combinou.

Era a vez de Danglar, que secava a mão, passando a palma nos fundilhos da calça. Fazendo uma concha da mão, aplicava-a sobre as figurinhas, arrumadas num monte cuja quantidade variava de acordo com o número de jogadores. Bateu a mão sobre o monte. Tinha a mão maior ou era mais hábil no jogo, conseguia virar quase todas, ganhando as que ficavam com a figura (ou a marca de cigarro) para cima.

— Vai, rapa tudo.

— Assim, num dá. Minhas marcas acabaram. — Zezinho tinha poucas figurinhas, nunca trazia muitas para o jogo e logo as perdia. Ficava o resto do tempo por ali, sapeando, dando palpites, gritando com os outros que ainda jogavam.

Naquele dia haviam sido dispensados da escola. A guerra havia acabado na Europa, a notícia chegara na véspera e fora decretado um feriado extra. Os meninos da Rua Dr. Sotero aproveitavam a tarde gostosa para a distração da época. Naqueles dias, era o jogo do bafo. Também em prática a troca de gibis e as escapadas para nadar no pocinho do Buracão, que ficava na saída da cidade, para os lados do campo de aviação.

Zezinho, tendo perdido todas as figurinhas, sentou-se num canto da porta da venda. Acabara seu interesse pelo jogo. Os amiguinhos também vão deixando de jogar. Encostam-se na parede ou sentam-se nos degraus das portas da venda. Seu Abdala, dono do negócio, espanta os garotos que impedem o acesso de fregueses:

— Areia, areia, pé na areia. Vão brincar na rua. Saiam da porta.

Os meninos se dispersavam, além da zanga do velho turco, já era hora do almoço.

ANTÔNIO GOBBO —

BHTE, 23 – FEV – 2005 –

CONTO # 330 DA SÉRIE MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 24/07/2014
Código do texto: T4895240
Classificação de conteúdo: seguro