OS INVASORES

Há um mês, a mesma rotina. Acorda quando ainda está escuro, senta na cama e espera a senha secreta: A porta do outro quarto se abrir.

"Preciso parar de tomar tanta água durante o dia".

É seu pai que levantou. Julia olha o relógio : 4:30 da manhã. Os vultos que parecem assombrar sua janela a fizeram esperar mais de vinte minutos, olhando para o teto, cansada.

Ele voltou : O medo, o hábito nocivo, a insegurança. E um senso de injustiça grande demais para a sua simples compreensão.

Na primeira vez voltavam de uma viagem à praia. Luís, seu pai foi o primeiro a perceber que a porta estava arrombada. Os minutos seguintes foram amortecedores: A casa revirada, limpa, violada. A falsa sensação de segurança exposta de maneira crua.

Tudo mudou , a casa onde nasceu de repente deixando de ser seu território. As viagens dos pais, deixaram de ser diversão, motivo para festa e viraram noites longas demais,parecendo ladrões a espioná-la esperando o momento do assalto, do crime.

Naquele mesmo ano Julia viu Paulo, um de seus colegas mais próximos ser assassinado em um assalto. Ela que se achava imune aos perigos do mundo foi obrigada a crescer diante de suas maldades.

Sobreviveu as feridas que lhe foram impostas, sem imaginar depois de quase dez anos teria mais uma vez sua fé esmagada, a alma fraturada pela violência.

Estava frio, e enquanto Luís preparava o café, Julia foi pegar o jornal na garagem. O carro não estava lá:

- Pai, entraram em casa!- De novo o espanto, o susto.

Foi de madrugada. Nenhum barulho ou suspeita. O carro, a sala. Entraram, roubaram o que puderam , ser deixar vestígios, pegadas, confusão; desconhecidos dentro de sua casa enquanto eles estavam em seu pleno direito de descansar, ter uma noite com o mínimo de paz.

Ana, sua mãe ainda estava dormindo e quando Julia a acordou sua primeira reação foi de agradecimento por não terem visto ou ouvido nada. E ela concordou, mesmo que agora dependa ridiculamente dos passos dos pais para ter coragem de algo tão banal como ir ao banheiro.

Até quando?

Aquelas pessoas não tinham o direito de fazê-la de novo brigar com a recusa a sucumbir a uma dor que ela não pediu. Ao voltar para a cama ainda assombrada por um medo insistente verifica a janela, o quintal. A perda material foi reposta, o trauma ficou, ainda se recusando a ir embora.

Cadeados trocados, seguro renovado, carro reposto. Apenas os portões invisíveis de sua morada interior continuam fechados. Talvez um dia sinta-se segura novamente e abra-os de novo. Talvez não.

Invadiram Julia e sua família outra vez.

D.SConsiglio

Débora Consiglio
Enviado por Débora Consiglio em 19/07/2014
Código do texto: T4888332
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