309-POUSADA MINEIRA COM SERVIÇO FRANCÊS

Dorinha e Carlos guardavam boas recordações da Pousada Grota Funda de Minas, onde por diversas vezes passaram fins-de-semana prolongados. A pousada, composta por dez chalés em torno de quadra de esporte, piscina, quiosques cobertos de sapê e construção simples onde funcionava o restaurante, estava dentro da Fazenda Marimbondo, com destilaria de cachaça. Clodoaldo e Miriam, amigos de Dorinha, eram os proprietários da fazenda, do alambique e da pousada, que administravam com tranqüilidade

Mas a última vez (última vez mesmo!) que estiveram na Grota Funda encontraram tudo diferente: os proprietários haviam se mudado para a cidade e arrendado a pousada. O novo administrador era um “chefe de cozinha” desses que andam proliferando por todo o mundo. Os homens se meteram a cozinhar e estão achando o máximo fazer uma coisa que as mulheres já deixaram pra trás.

Os chalés estavam limpos, arejados e frescos. Mas já não era permitida aos freqüentadores da Pousada visitas à sede da fazenda (e de seu sombreado pomar, com centenas de árvores frutíferas produzindo o ano inteiro) nem ao alambique, para saborear os diversos tipos de cachaça ali produzidos.

Com a chegada de Carlos e Dorinha, mais um casal de turistas italianos, todos com respectivas crianças, a pousada ficou lotada. Chegaram à tarde, ainda a tempo de fazerem uma caminhada pelos arredores. Foram por uma gostosa trilha dentro de sombreada matinha e sobre uma pitoresca ponte sobre o Rio das Velhas. Coisa de quatro ou cinco quilômetros. Ao voltarem, descansaram à beira da piscina, tomando aperitivos, antes de entrarem para o restaurante.

O que havia mudado completamente fora o restaurante, que passou a ser com “serviço francês”.

— Nunca vi uma pousada do interior com serviço francês — Dorinha comentou para sua amiga Bianca, italiana de nascimento mas há muito radicada em Belo Horizonte.

— Bene, vamos ver che cosa é este serviço francês numa pousada mineira. — Bianca, mordaz, adentra-se com elegância no salão.

Foram recebidos à entrada do restaurante pelo próprio “chef” que se apresentou como Monsieur Raimond, em bom sotaque nordestino. Explicou que cada “convidado” teria seu prato-surpresa especial.

— Que estranho! O homem parece cearense, com aquela cabeça chata e o sotaque. — Marcos observou.

O “serviço” era realmente francês: cada prato preparado pessoalmente por Monsieur Raimond, que demorava uns quinze minutos para cada um. Isto quer dizer que decorrido mais de uma hora de espera, apenas quatro pessoas haviam sido servidas. A espera foi se tornando uma tortura. A fome aumentando, principalmente à vista de outras pessoas comendo ao lado.

A conversa diminuiu, baixou para cochichos de desconforto, desagrado e fome. Os meninos começaram um tímido coro, acompanhado por tilintar rítmico de talheres:

— Queremos comida! Queremos comida! Queremos comida!

Logo as meninas entraram no coral. M. Raimond sorria para todos, cada vez que aparecia no salão, vindo da cozinha, acompanhado de um garçom que trazia o prato em um carrinho de servir. Parece que o coral alimentava ainda mais o seu prazer em demorar a servir.

Não havia cardápio: para cada cliente era feito um “prato surpresa”. Para Dorinha foi verdadeiramente uma surpresa: dois camarões fritos, uma pequena (“pequeníssima”, ela constatou) porção de arroz e folhas de agrião aspergidos com um creme cor-de-rosa.

— Voilá! Aqui está um camarron ao creme rosê.

— Isto aqui mal dá para aperitivar. — Cochichou Dorinha para Carlos.

Ao Carlos coube um prato com quatro raviólis, uma almôndega em molho bolonhesa e três folhas de cebolinha. Para Giovani, marido de Bianca: um minúsculo filé de tilápia grelhado, fatias de limão, arroz e duas folhas de alface.

E finalmente, para Bianca chegou uma coxa de frango assada, sobre o qual derramara-se generosamente um molho de milho verde, e duas batatas cozidas.

— Madre de Dio! Sou vegetariana, não como carne de forma alguma! — Sua voz possante fez-se ouvir acima de todos os ruídos. — E não suporto milho verde.

— Coma apenas as batatas. — Discretamente, aconselhou Giovani ao seu lado.

— Ma Che! — Bianca, que não perdia a linha, mas que não tolerava embromação, chamou o chefe:

— Seu Raimundo! — E para ter a certeza que seria bem atendida em seu pedido, falou em alto e bom dialeto nordestino:

— Me traga aí, bichinho, dois ovos fritos, bastante arroz e uma salada de tomates.

ANTONIO ROQUE GOBBO

BELO HORIZONTE, 27/10/2004

Conto # 309 da série MILISTÓRIAS

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 17/07/2014
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