308-COISA DE LOUCO-Ser Escritor em País de Analfabertos
Em um dos meus giros pela cidade, encontro João de Deus.Fomos colegas de ginásio, há mais de 50 anos. Sentado no banco em frente ao Hotel Cosini. Ele era o que sabia da vida de todo mundo: dos colegas, dos professores, dos Irmãos.
— Então, Gobbo? Escrevendo sempre? Li seu livro. Tá bonzinho.
— Qual deles?
— A Loucura do Cristal. Aliás, alguém me deu o livro, porque você não se lembra mais dos amigos...
— Vou lhe mandar um exemplar. Tem outros três. Vou lhe mandar...
— Ce tá parecendo curiango.
— Curiango?
— É. Curiango é que fica no meio da estrada, gritando:Amanhã eu venho, amanhã eu venho.
Depois de algumas outras alfinetadas, continua:
— Falei com o Pombaça. Cê sabe, ele se aposentou. Como Presidente do Tribunal de Contas da União. Agora, vive na sua fazenda em Goiânia.
Pombaça é o apelido que tinha no ginásio o Sebastião Rodrigues de Moura. Fomos colegas nas quatro séries. Ele saiu para estudar fora, formou-se em direito e teve uma carreira brilhante no Legislativo Federal.
— Foi um magistrado competente. — comentei.
— Competente ele foi só numa coisa: em casar com mulher rica. A atual é a sexta mulher. Todas as falecidas eram ricas, de forma que ele montou nas burras...de dinheiro. Falei com ele sobre você. Disse que você endoidou de vez.
— Eu, doido? Que história é essa?
— É uma loucura isso que cê tá fazendo! Não percebeu?
— Mas, João, que é que tou fazendo de tão doido?
— Uai, sô! Fazer literatura e escrever livros num país de analfabetos...é coisa de louco!
Antonio Gobbo –
SSParaíso, 9.10.2004 —
Conto # 308 da Série Milistórias