307-CADÊ MEU CELULAR?

— Cê viu meu celular?

— Hein?

— Meu celular. Sumiu.

— Sumiu? Como? Onde?

— Sei lá. Tava comigo quando fui no banheiro. Agora não tá mais comigo.

— Vai ver, você esqueceu ele no banheiro. Vai lá procurar.

Minutos depois, ela volta. Desesperada.

— Num tá lá não, Reinaldo. Acho que me roubaram.

— Vamos procurar direito, Ana Rosa. Num fica aí falando que te roubaram. Pega mal.

A conversa, em altas vozes, chama a atenção dos convidados e até da patronesse da festa.

— Que foi? Que aconteceu? — Fabíola chega, preocupada com o zunzum.

— Meu celular desapareceu. Alguém passou a mão nele.

Anselmo, marido de Flávia, tem uma sugestão:

— Vamos nos espalhar pelo recinto. Você usa meu celular e disca o número do seu. Onde ele estiver, vai dar sinal. Assim descobriremos onde está.

Foi feita uma tentativa. Quatro ou cinco pessoas ajudaram na caça ao celular. Inutilmente. Ninguém ouviu o sinal.

Usando o mesmo celular emprestado, Ana Rosa bloqueia o número do celular desaparecido.

— Tenho certeza de que me afanaram. Vamos, Reinaldo.

— Pra onde?

— Vamos pra polícia. Vou dar queixa.

— Não faça isso. — Pediu Marquinhos. — Vamos procurar mais.

— Acho melhor revistar todos os convidados na saída.

— Ficou louca? Olha o nível do pessoal. Todos amigos e parentes de Marquinhos e da Flávia.

— Você põe a mão no fogo por eles, Reinaldo?

— Eu garanto. Não foi nenhum de nossos convidados. — Marquinhos intervém, irritado.

A luz se apaga.

— Num tou falando? Agora apagam a luz para confundir tudo.

— A luz se apagou em todo o bairro. Veja na rua.

— Não me interessa. Vou pra polícia.

— Não vai não senhora! — Reinaldo a segura pelo braço.

— Aqui todo mundo tem celular. Ninguém ta interessado neste tipo de coisa, não.

— Ah, tem os garçons, as crianças. — Olha de viés para um dos convidados, um negro careca.

— Afinal, por que essa confusão em torno de um celular? — Alguém pergunta. — É de ouro?

— Custou mil e quinhentos reais. Foi presente do meu namorado, que trouxe dos States. Aqui no Brasil ainda não tem igual.

— Namorado?Ah, quer dizer, o amante. — Uma voz maldosa comenta à socapa.

— Que é que você tem com isso? — a ruiva revida, mostrando as garras e arreganhando os dentes.

O clima de alegria da festa foi para as cucúias. Era uma simples festa de aniversário, dois aninhos da Lucinha, que Fabíola havia preparado com tanto cuidado, trabalho e orgulho. O bate-boca agora era conhecido dos mais de cem convidados e até as crianças estavam gozando a situação.

— Cadê meu celular? Cadê meu celular? — Gritavam em coro pelo pátio.

Ana Rosa saiu, acompanhada pelo irmão Reinaldo, pisando em brasas.

— Vou pra polícia, sim. Me aguardem!

A festa prosseguiu, ou melhor, foi finalizada, à luz de velas. Marquinhos e alguns amigos ainda “velejaram”, isto é, varejaram à luz das velas todos os locais possíveis de estar o celular.

— Vamos cantar os parabéns! — Lucinha no colo, Flávia chamou os convidados para a cerimônia final: cantar o “parabéns pra você”, cortar e distribuir o bolo; deixar a criançada avançar na mesa de docinhos.

As despedidas foram constrangedoras para todos. Só Lucinha, com a energia que lhe é peculiar, corria, com suas perninhas curtas, de um lado para o outro. Indiferente ao drama do celular desaparecido.

Ainda naquela noite, Marquinhos atendeu o telefone. Era o “namorado” da Ana Rosa.

— Vocês precisam dar segurança aos seus convidados. Onde já se viu? Um celular roubado em plena festinha. Da próxima vez...

— Pra vocês, não tem próxima vez nas nossas festas. Vá se coçar! — Marquinhos bateu o telefone.

A festa de aniversário de Clarinha acontecera nas dependências da escola infantil que freqüentava, cedida pela diretora para o evento. Foi muito desagradável também para elas o incidente do sumiço do celular de Ana Rosa. Mais desagradável, porém, foi o entupimento do vaso sanitário feminino, verificado na manhã do dia seguinte.

— Dona Cecília, o vaso entupiu. — A moça da limpeza avisou logo de manhã. — Já tentei de tudo pra desentupir, mas num consigo.

Novas tentativas inúteis. Chamaram o Baleia, pedreiro que trabalhava na reforma de uma das salas. O homem também tentou que tentou, e nada de desentupir.

— O vaso tá inutilizado. — Cecília, eficiente, determina: — Baleia, tira o vaso, que vou comprar outro. — Sai de carro.

Baleia já tinha removido o vaso, quando chegou Ana Rosa, a dona do celular.

— Passei aqui pra saber se acharam o celular.

— Não acharam, não senhora. — Informa o porteiro.

Sem dar satisfação ao educado funcionário, a ruiva entra como um furacão. Não encontrando ninguém, passa pelo recinto onde na véspera acontecera a festa e vai até o sanitário feminino, onde Baleia está às voltas com a remoção da privada.

— Que aconteceu?

— A privada entupiu.Foi essa que a senhora usou? — Baleia, que já sabia de toda a história, pergunta inocentemente (ou melhor, maliciosamente).

— Tá brincando comigo, gordão?

Sem dar satisfação, ela se aproxima do vaso e aplica-lhe um pontapé. O vaso tomba e no fundo aparece uma pequena alça de couro. Rapidamente, Ana Rosa puxa a alça, que traz de volta o celular à sua dona.

— Puxa, dona! Pensei que essa alcinha fosse a merda entupindo a privada. Mas só a senhora mesmo, pra distinguir seu celular de um cagalhão.

ANTONIO ROQUE GOBBO -–

SSParaiso, 9 de outubro de 2004.

Conto # 307 da série Milistórias

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 17/07/2014
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