305-COMO PARAR DE FUMAR- Bom Humor
COMO PARAR DE FUMAR
— Eh, Matias, pára de fumar, homem! Se não parar com isso, vai acabar com enfisema. Ou coisa pior.
Os acessos de tosse do velho incomodavam os parceiros do jogo de dominó, que reunia a turma todas as tardes no boteco do Jeremias.
— Ara, sô, faz mais de cinqüenta anos que fumo. Não é agora que...
— Mostra que é homem. Acaba com esse vício. Olha que cigarro mata.
Matias era um fumante inveterado. Sua cota era de dois maços por dia. Além da tosse, a poluição que causava incomodava a todos. Guimbas por todos os lados, cinza no chão e sobre móveis, marcados por tocos esquecidos acesos. O bodum do homem era insuportável.
Os amigos insistiam para que ele largasse o vício.
— Se você deixar de fumar, poderá comprar outras coisas, com o dinheiro que não gastar com os cigarros.
— Comprar o quê?
— Ora, veja só: quanto gasta para comprar os dois maços que fuma diariamente?
— Quatro cruzeiros.
— Cigarrinho caro, hein? Com essa quantia eu compraria meio quilo de alcatra.
— Ou três quilos de batatas.
— Ou um franguinho de leite.
Matias, cujo prato predileto era um frango “al primo canto”, concordou.
— Taí, gostei dessa idéia. Vou trocar os cigarros pelos franguinhos.
Matias parou de fumar definitivamente. Em vez de comprar cigarros na padaria, com o pão e o leite, passou a ir ao Mercado Geral, no centro da cidade, para adquirir um franguinho, que trazia debaixo do braço, os pés amarrados por palha ou embira.
— Maria, prepara este frango para o almoço! — ordenava, assim que chegava do mercado.
A mulher se viu apurada. Degolar, depenar e eviscerar o frango, colher o sangue (para o molho) e preparar como o marido determinava, lhe tomavam toda a manhã. Uma azáfama para servir o prato às onze em ponto, horário improrrogável do almoço do marido aposentado.
Matias disse à simplória mulher que aquela era uma forma de dominar o vício do fumo. Ela, muito religiosa, pensava tratar-se de alguma promessa ao santo protetor dos ex-fumantes, qualquer que fosse.
Tempos difíceis para a dedicada esposa que, apesar da trabalheira, fazia de tudo para atender ao marido.
— Graças a Deus que ele parou de fumar.
Semanas e meses de comer um franguinho a cada dia. Era frango todo santo-dia. Maria variava. Um dia assado, no outro, frito. Caprichava no frango ao molho pardo, com angu e quiabo.Até aos domingos — quando o prato principal era macarronada... com frango cozido com batatas! Matias saboreava deveras os franguinhos diários.
— Hummm! Que delícia! — Lambendo os dedos, não economizava elogios, os quais contribuíam para amenizar o trabalho dobrado da mulher na cozinha. Matias incorporou a idéia e a dieta. Passou a ter certeza de que o frango diário era o antídoto para o vício de fumar. Mudar de hábito, nem pensar.
— Vai que o vício volta. — pensava.
Entretanto, não tem bem que sempre dure nem mal que jamais acabe. A rotina do frango diário já estava incorporada à vida do casal, quando o preço do frango disparou. Passou a custar o equivalente a três maços de cigarro. Matias não achou justo continuar gastando com os frangos mais do que gastaria com o cigarro. No Mercado Geral, procurou saber o que poderia comprar com o mesmo dinheiro de dois maços de cigarros.
— Bem, o senhor pode levar um quilo de traíras. Estas aqui chegaram hoje cedinho.
Matias chega com a sacola de traíras.
— Maria, você vai descansar de fazer frangos. De agora em diante vamos ter traíras para o almoço. Trouxe uma dúzia delas. Limpa e frita pro almoço. Com cuidado, pra não deixar espinhas.
ANTONIO GOBBO —
Belo Horizonte, 20 de setembro de 2004
Conto # 305 da série Milistórias