Conto nada Curto 2 - Irrealidade Virtual

Zézinho era o tipo da criança mimada. Os pais faziam todas as suas vontades: compravam todos os brinquedos que ele pedia, adquiriam roupas da moda e guloseimas que apareciam na TV ou que ele via nas suas inúmeras incursões aos supermercados.

Em resumo, Zézinho era uma criança feliz.

- Meu filho tem tudo o que quer! - exibia-se o pai perante aos amigos.

- Não lhe falta nada! - completava a mãe com deslavado orgulho.

Quando o garoto pediu o brinquedo visto numa revista americana, o pai titubeou, pela primeira vez em dez anos. O "brinquedinho" custava o equivalente a 5.700 dólares. Não era um preço qualquer e sim um investimento e tanto.

- Mas, Zézinho!

- Puxa, pai, o senhor não pode comprar? - desafiou Zézinho.

- Não, não é isso. Você não acha um pouco caro? Cinco mil e setecentos dólares é muito dinheiro, meu filho!

- Ah, pai, mas diz aqui que pode ser pago em três vezes no cartão internacional. Seu cartão de crédito é internacional, não é?

O pai ficou deslumbrado. O filho com dez anos de idade traduzia fluentemente o inglês. Deixou o encantamento de lado e tentou contra argumentar:

- Mesmo assim, são 1.900 dólares por mês, fora as taxas e o câmbio anda muito oscilante...

O pai conversava com o filho como se estivesse numa reunião de finanças ou negociando a compra de um equipamento da empresa.

Zézinho jogou a última cartada no convencimento do homem que satisfazia seus caprichos.

- Pai, prometo ficar sem comprar ou pedir um brinquedo nos próximos três meses.

O pai encarou aquele rosto angelical, pensou em utilizar um argumento mais forte, mas acabou sucumbindo.

- Está bem, mas nos próximos três meses: Nada! Trato é trato!

- Tudo bem, pai. Nos próximos três meses, sem brinquedo sem nenhum brinquedo.

No fundo, Zézinho sabia que essa promessa não seria cumprida, mas mesmo assim valeria a pena. O Capacete de Realidade Virtual seria seu.

O pai seguiu todos os trâmites. Preencheu o cupom e colocou no Correio. Agora era com o Zézinho. A espera torturante. Numa atitude diária, pontualmente às quatorze horas, o menino postava-se na porta de sua casa, aguardando ansiosamente o Carteiro. Depois de sufocantes cinco dias, finalmente o velho Jaime apontou na esquina com uma grande caixa. O capacete de Realidade Virtual chegara. Zézinho nem assinou o recibo de entrega. Arrancou das mãos do homem do Correio o pacote e precipitou-se para o quarto.

Abrir a caixa é modo de dizer. Zézinho trucidou com ânsia e impaciência o papelão que protegeu o brinquedo dos solavancos e batidas tão comuns que estas encomendas sofrem.

Finalmente o capacete em suas mãos. Vermelho vivo, listas azuis, resplandecendo, cheirando a novo. Com ele na cabeça, o garoto devorou as instruções. Esperto, aprendeu a manejá-lo num piscar de olhos. Esses bagulhos eletrônicos eram com ele mesmo.

Acoplado ao micro, carregou os disquetes com os programas e escolheu a primeira aventura: "Se eu fosse um dinossauro".

Em segundos, começou a sentir-se no enredo. Seu corpo começou a expandir-se. Percebeu logo que o refúgio de seu quarto era pequeno demais. Digitou algumas senhas e viu-se na rua, na sua rua. Agora, poderia crescer, crescer e tornar-se o maior dinossauro que a Humanidade jamais conhecera. Testou sua voz ou melhor, o seu urro: um barulho imenso, um estrondo tenebroso.

Iniciou sua andança pela vizinhança. Os carros tentavam desviar, mas em vão. Eram massacrados pelas suas patas. Cada espanada de seu rabo colossal arrancava árvores, derrubava muros, depredava casas.

E o maior animal do mundo prosseguia, nada poderia detê-lo. Continuou seu caminhar arrasador. As pessoas fugiam assustadas. Alguns se muniram de rifles e revólveres. Seus tiros não passavam de pequenas picadas de minúsculos insetos. O gigantesco ser seguia. Entrou pela avenida do Shopping. As pessoas largavam seus carros no meio da rua ou na calçada e fugiam em debandada.

Um policial pulou de sua viatura com uma metralhadora e descarregou todos os pentes que encontrou. Sem efeito, só conseguiu que o monstro gigantesco ficasse irritado. Com a pata dianteira pisou no quase heróico homem da lei. As traseiras encarregaram-se de tornar lisa como uma tábua, a viatura da Polícia.

A Segurança do Shopping ficou atônita. Ordens e contra-ordens eram berradas pelos intercomunicadores. Pelo sistema de som o aviso foi curto e grosso:

- "Estamos encerrando nossas atividades no dia de hoje. Fujam, fujam rápido, senhoras e senhores consumidores!"

Mas o monstro não encostou nenhuma pata, nenhum rabo naquele templo de consumo. Apenas amassou alguns carros no estacionamento, encurtando o caminho rumo... à escola.

A rua do colégio ainda não respirava o clima de terror que se espalhara pelos outros quatro quarteirões que o dinossauro percorrera.

Suas fortes passadas sacudiam o solo, repercutindo e assemelhando-se a trovoadas e trovões.

Da janela da sala de aula, a sempre dispersiva Marianinha avistou aquela massa enorme vindo, chegando. Seu aviso primeiro causou a risada uníssona da classe, depois o pânico foi generalizado. O turno da tarde saiu em debandada. Professores, alunos, pedagogas, psicólogas, serventes e bedéis se amontoaram na porta de saída fugindo do maior animal do mundo desafiando e desobedecendo todos os preceitos de disciplina e ordem tão exaustivamente ensinados.

E o animal foi se acercando daquela casa de ensino. Sua parada há poucos metros da entrada foi cinematográfica, nem Spielberg faria melhor.

Dona Rosaura, a autoritária diretora muniu-se de coragem, correu em direção ao pré-histórico animal.

- Saia daqui, seu animal nojento! Deixe nossas crianças e a escola em paz!

Foram as únicas palavras que conseguiu proferir antes de ser bafejada pelo urro, seguido do jorro de saliva espessa e grossa que besuntou o corpo e as roupas da outrora elegante Rosaura. Sua morte foi polêmica. Uns afirmaram que foi por afogamento. Outros, por asfixia. O laudo posterior do IML atestou um fulminante ataque do coração.

Livre do minúsculo empecilho que representava a falecida diretora, o dinossauro continuou sua tétrica caminhada. O muro, considerado intransponível por todos os alunos desejosos de matar as aulas, caiu como se fosse de papelão.

O monstro alcançou o edifício central com certa rapidez, um majestoso prédio de três andares. Cuidadosamente, fez uma manobra de 180 graus, colocando-se de costas para a edificação. Levantou as patas dianteiras e sentou-se solene e ruidosamente no teto.

Foi demais para a mais tradicional escola do bairro. A construção antiga não se preparara para receber aquele inesperado aluno. As vigas cederam e vergaram com seu peso. Em instantes todas as suas tradições ruíram e tornaram-se um monte de escombros.

Alguns alunos que assistiam à distância ensaiaram um aplauso, interrompido pelos olhares severos de alguns professores e inspetores.

O animal olhou com curiosidade e como afirmaram alguns, com um certo ar de satisfação, o efeito daquela sentada. Seu próximo ato foi um bocejo carregado de enfado e cansaço. Ele já enjoara daquela brincadeira. Era hora de voltar para casa e foi o que fez.

Pisoteando pessoas ali, amassando carros aqui, derrubando mais muros acolá, retornou à sua rua, diminuindo o seu tamanho até tornar-se da altura de um garoto que poderia entrar em casa sem muito alarde.

Zézinho largou o capacete no chão, desligou computador e sentindo-se muito cansado, adormeceu.

Seu sono foi tão profundo que seus pais resolveram nem acordá-lo e ouviram, com o som no mínimo volume, o noticiário da TV sobre a fantástica aparição e a posterior sumida do dinossauro e sua devastante caminhada pelo bairro.

A mãe prometia ao pai que explicaria ao Zézinho, sem muitos detalhes que ele entraria num período de férias forçadas. A história do dinossauro seria totalmente omitida.

O pai refazia os cálculos. Teria que arrumar uma escola mais sólida - no sentido correto da palavra - para o seu querido menino. E às vezes essa solidez poderia representar um rombo no seu orçamento familiar. Mas não importava, seu querido filhinho merecia.

Roberto Bordin
Enviado por Roberto Bordin em 15/05/2007
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