Dalvina
Dalvina
Desde que sua mãe faleceu em 1969, que Dalvina vivia sob a responsabilidade de Expedito. Ela era uma menina de dezessete anos, muito bonita, estatura média, loira, olhos azuis e cabelos longos. Era uma jovem reprimida pelo padrasto. Ele não permitia que ela saísse de casa, não a deixava estudar e muito menos namorar. Expedito já havia declarado que ele mesmo iria escolher um marido para a enteada.
Dalvina vivia apenas para o trabalho doméstico. Ela lavava, passava e fazia a comida. Durante o dia, trabalhava sem parar e às cinco e meia da tarde dormia, apesar de não ser sua vontade dormir tão cedo, porém, Expedito determinava esse horário.
Muitas vezes, a menina dormia chorando. Ela tinha uma vida sem graça e sem alegrias. Expedito era um homem muito rude e grotesco. Seu pensamento era que as mulheres não deviam ter liberdade. Foi essa a educação que recebeu de seu pai. Tratava-se de um homem infeliz, que carregava em seu coração muita raiva da vida e do mundo. E era em Dalvina que ele descarregava todo esse sentimento.
Sua mulher sofreu muito em suas mãos, sempre que ele ficava bêbado lhe batia sem piedade. Quando a mesma ficou doente do coração e soube que iria morrer, lamentou em deixar a filha com ele, mas não tinha outro jeito, ela era sem família.
Dalvina chorava bastante dizendo a si mesma que não tinha sorte na vida. _Eu divia tê murridu quandu criança. Pensava a infeliz menina.
O tempo ia passando e nada acontecia em sua vida, todos os dias eram sempre iguais, e ela sabia que estava perdendo o melhor da juventude, e seus melhores anos.
Dalvina estava com dezessete anos e nunca tinha ido a Sousa. Uma vez, quando o padrasto estava de saída para a cidade, ela implorou para ir com ele, mas o rústico homem não a levou.
_Mais eu nunca vô saí du San diogu, Võ morrê sem cunhecê a cidadi? Perguntou a coitada entre lágrimas.
_Num tem nada pra ocê fazê im Sosa, fique im casa cuidanu do aimoçu.
Dalvina foi para a cozinha, que era o lugar da casa onde passava a maior parte do tempo. Nas paredes, a cor preta do carvão e fumaça por todo lado, o cimento esburacado e o fogão a lenha, com duas panelas de barro. Era aquele seu cenário.
Mas naquele dia, ela resolveu que iria sair daquela situação. Finalmente nascia nela uma coragem para lutar e viver alguma coisa boa. Quando terminou de fazer o almoço, saiu passear pelo São Diogo. Para ela era uma sensação estranha. Primeiro, porque nunca passeou e segundo, porque estava enfrentando o padrasto. E no fundo do seu coração existia um grande medo da reação do homem que a proibia de tudo. Mas ela pensava e dizia consigo mesma: Du jeitu qui tá, num dá pra cuntinuá.
_Que surpresa menina, você por aqui, nunca sai! Desde que sua mãe morreu, é a primeira vez que estou lhe vendo. Disse Do Carmo, quando Dalvina estava passando em frente à sua casa.
_É qui hoji resorvi saí. Disse a jovem com um sorriso triste.
_Entre, venha conhecer minha casa, tomar um suco ou um café.
_Num possu, fica tardi pra vortá.
_De jeito nenhum, venha! Hoje que você finalmente saiu de casa, não pode deixar de conversar comigo.
Dalvina mesmo mutio nervosa, aceitou o convite.
Do Carmo era uma conhecida de sua mãe.
_Sabe querida, eu sempre soube do sofrimento de sua mãe com seu padrasto. Eu sei que ele é um homem muito ignorante e severo. E imagino o que você deve passar nas mãos dele. Eu já pensei em lhe visitar, mas nunca fui por causa dele, que nunca foi cordial comigo, apesar de gostar do meu marido. Acho que era devido aos conselhos que sempre dei á Joana, para ela enfrentá-lo.
_Pricisu vortá. Disse Dalvina com a voz trêmula.
_Espere, eu ainda não terminei. Vejo nos seus olhos uma tristeza muito grande, sei que sofre e já que Deus lhe colocou aqui hoje, quero lhe dizer que pode me procurar, e contar seu sofrimento, quero lhe ajudar.
_Eli num sabi qui tô aqui.
_Imaginei.
_Pricisu chegá im casa primero qui eli. Adeus!
_Não se esqueça, estou aqui pronta para lhe ajudar. Volte sempre.
Dalvina saiu apressada, seu coração batia desesperadamente.
_Pobre menina, tão nova e tão sofrida. Disse Do Carmo, tristemente, com muita pena da enteada de Expedito.
Por sorte, Dalvina conseguiu chegar a tempo, ele ainda estava na cidade. Apesar de ofegante, chegou feliz por ter conversado com aquela mulher, e por ter passeado um pouco. Tudo que ela mais queria era ser livre.
Quando Expedito chegou, ela fingiu que nada tinha acontecido e tratou de esquentar o almoço. Ele chegou um pouco bêbado, e a moça teve que escutar suas tolices.
No dia seguinte, Dalvina estava apanhando umas roupas do varal, quando viu o padrasto vindo em sua direção, com um pau na mão, dizendo que iria lhe matar. Ele vinha transtornado, pronto para bater na jovem órfã. A moça soltou as roupas no chão e correu.
_ocê vai levá uma surra pra nunca mais disobedecê a eu. Dizia Expedito correndo atrás da menina.
Dalvina em pranto, corria sem saber o motivo pelo qual o padrasto queria lhe bater. E Expedito atrás dela, corria com motivação, queria lhe espancar, estava com ódio da enteada.
É que quando ele estava trabalhando na roça, naquela manhã, um rapaz comentou com o mesmo que tinha visto no dia anterior, Dalvina saindo da casa de Do Carmo e disse ainda que ela era dona dos olhos azuis mais bonitos do mundo. Então, descobrindo tudo, ele deixou o trabalho e foi para casa, com o propósito de espancar a enteada.
Por onde eles passavam, causavam espanto. Homens, mulheres e crianças, saíam nas portas para observá-los.
Quando Dalvina chegou em frente à casa de Do Carmo, entrou gritando:
_Socorro, Do Carmu, socorro!
Antes mesmo que a mulher perguntasse o que estava acontecendo, Expedito chegou desfigurado, e ela entendendo que ele queria bater na menina, trancou Dalvina no seu quarto.
_Dexi eu pegá essa muleca!
Deste quarto ela não sai, aqui o senhor não encosta nela. Disse Do Carmo.
Nesse momento, seu esposo chegou e acalmou o amigo.
Depois de saber toda a estória, o marido de Do Carmo pediu que ele fosse e deixasse a menina passar uns dias com sua esposa.
_Não, issu não!
_Mas Expedito, é até as coisas se acalmarem.
_Tá certu, só hoji e ameã.
Quando ele se foi, Do Carmo disse:
_João, não deixe que ele a leve, peça para Dalvina morar aqui.
Mas Do Carmo, ele é seu responsável, não podemos fazer nada.
_Mas quero que você tente falar com ele.
Sim. Vou tentar.
Dalvina passou dois maravilhosos dias na casa de Do Carmo, no entanto, não foi possível morar lá. Expedito não permitiu, apesar da insistência do amigo. Mas ele concordou que Do Carmo fosse visitá-la e também que a moça passeasse com ela. Expedito gostava muito de João, devido a grande ajuda que recebeu de seu pai, na seca de 1958.
No dia 06 de Junho de 1970, Dalvina foi a uma missa em Sousa, com Do Carmo.