FESTA DE SÃO JOÃO
- Este conto é dedicado às pessoas que, como eu, detestam fogos de artifício. Bonitos sem dúvida, mas muitas vezes desastrosos e sempre inúteis e desnecessários. -
Os preparativos para a festa de São João haviam começado no dia 19 de março, dia de São José, padroeiro da cidade e protetor das plantações do milho benfazejo, alimento para os homens e para os bichos, que foram plantados, nesse mesmo dia, em todas as propriedades da redondeza.
Joca, filho de seu Armando Buiú, ficou na porta principal da igreja no final de cada uma das missas, com aquele livro grosso e de capa dura e vermelha, para anotar os nomes dos rapazes e das moças que iriam dançar a quadrilha, onde também eram registrados os comportamentos de cada integrante. Aquele que não se comportasse bem seria cortado no próximo ano.
Teve um ano que Lulinha, filho de seu Libório mais dona Amparo, foi tirado da dança na véspera da festa porque ele estava chumbregando com Vivinha, de madrinha Ceça, sem ela querer, toda vez que era a hora de dançar agarrado. Ela se afastava, mas ele vinha prá cima, bufando, que parecia jumento no cio.
Para não desemparelhar a quadrilha, Joca, além de marcar, teve que dançar com Vivinha.
A festa nesse ano estava completando dez anos.
Quando foi no primeiro ano, seu Armando fez a fogueira com um metro de altura e ficou acertado com todos os participantes que, a cada novo ano ela teria que crescer 36,5 centímetros, representando cada dia do ano.
Quer dizer, neste ano a fogueira tinha mais quatro metros e meio de altura.
Tiveram até que arranjar quatro canos de ferro para fazer a armação, que era para ela não desmoronar porque, mesmo sendo acesa lá em cima, na medida em que as brasas vão caindo, terminam botando fogo nas toras de baixo, principalmente as que ficam no chão, que são as que dão o apoio.
Luiz Gordo, da borracharia, contratou um sanfoneiro amigo dele, por um preço bem baratinho, para tocar das oito da noite até amanhecer o dia, começando com a quadrilha e parando por meia hora para descanso, depois de cada duas horas seguidas de música.
Mesmo com as férias, a professora Maria Oliveira juntou os meninos do Grupo Escolar e fez um monte de bandeirinhas de papel e enfeitou a praça da igreja, as duas ruas dos lados e dentro do mercado, que é o local tradicional da festa.
As mulheres da maioria das casas se juntaram, no salão paroquial transformado em cozinha, para preparar as comidas de milho típicas da época. Pamonha doce e salgada, canjica, cuscuz, milho cozido, pé de moleque daqueles cheios de castanha de caju por cima, pamonha de forno, bolo de milho, alfenim e cocada de coco. Elas no fogo e os homens escalados para ralar as espigas e raspar os cocos.
A negra Sanana, que vende milho assado na barraca montada na ponta da calçada da Praça Central, logo que começou a aparecer o milho verde nas feiras, para esta festa comprou cinco mãos de milho e disse que neste ano ia assar, mas não iria cobrar nada.
Era o pagamento da promessa feita ao santo para se curar de um cobreiro brabo que começou na regada da bunda e já tinha subido pelas costas até o pescoço.
Tota Medrado reforçou o estoque de aguardente e mandou buscar quatro bombonas de duzentos litros, daquelas azuis com tampa preta, para botar as cervejas para gelar com gelo em barra que Marcolino foi buscar na perua lá prós lados de Caruaru, dentro de sacos de estopa com maravalha.
Ele garantiu que se alguém encontrasse uma cerveja quente, não precisava pagar nada que consumisse até o fim da festa.
Batista mandou matar um garrote e fazer espetinhos de churrasco com quase toda a carne. E o dinheiro arrecadado com a venda, era para ser entregue ao abrigo de velhos.
Festa grande...
Pessoal animado...
Comida e bebida como todos os diabos, mas tudo isso deu em nada por causa do acidente.
Às seis horas da noite, quando a procissão já tinha voltado para dentro da igreja e a Praça Central estava fervilhando de tanta gente, seu Armando subiu na escada e acendeu a fogueira enquanto os foguetões da girândola com mais de trezentos tiros pipocava deixando a fumaça branca para ser levada pelo vento.
Antonio Bento, menino de sete para oito anos, veio com o pai para a escadaria da igreja, trazendo uma caixa de fogos que a madrinha dele tinha trazido do Recife.
Era desses rojões que dão três tiros seguidos e depois de um tempinho mais um.
Todo importante, pegou no lado prensado do rojão e levantou o braço bem acima da cabeça.
Antonio pai, disse: deixe o braço levantado e segure com força, com a boca para cima e encostou a brasa do cigarro naquele pavio vermelho que fica entre o canudo roliço e a parte prensada.
O diacho do rojão explodiu queimando a cara de Antonio e levando a mão do menino e a pólvora liberada tocou fogo nas camisas dos dois.
Ninguém sabe explicar como foi que a caixa que estava aberta no chão também pegou fogo e os rojões se danaram a pipocar.
No meio da confusão surgiram os baldes com água para apagar o fogo nas pessoas e alguém apareceu com um pano para enrolar o menino que, além de queimado, estava aos berros, segurando com a mão esquerda, o toco do braço direito com o sangue jorrando feito cano estourado.
Pegou fogo também no vestidinho rendado de uma das gêmeas de comadre Dorinha e outro rojão explodiu no colo de dona Lucinda que estava sentada na porta de casa apreciando a festa que se acabou na hora.
O resultado desse estardalhaço ainda está lá no Hospital Geral:
- Antonio Bento sem a mão e sem parte do braço direito e com queimaduras pelo corpo e na cabeça, principalmente no rosto, recebendo transfusão de sangue;
- Antonio, pai, com queimadura no peito e na cabeça, principalmente no rosto. O médico disse que ele corre o risco de ficar cego dos dois olhos porque queimou as córneas;
- A madrinha de Antonio Bento, desmaiou na hora e ainda está em estado de choque, desde que viu a desgraça que o presente dela provocou;
- Dona Lucinda, cega de um olho e com um buraco grande na barriga e dois menores nas coxas;
- A menina de comadre Dorinha, aquela lourinha que tinha o cabelo cacheado, com queimadura no corpo todo.
Queira deus ela escape...