MONÓLOGO NO COMPUTADOR OU RECIPROCIDADE

Oba! Meu pai está “on line”! Tomara que ele esteja animado para bater um papo.

- Bom dia, pai!

- Bom dia, filha.

- Tudo bem?

- Okapa.

- Como vocês estão? Tudo bem por aí?

- Tudo.

- Estou com saudades, pai.

- Sim. Apareçam.

- Pai, o sr. está ocupado? Está podendo conversar agora?

- Okapa.

- “Ok, estou ocupado” ou “ok, estou podendo conversar agora”? Ficou um pouco confuso. (hehehe)

- Pode falar.

- Pai, não sei se o sr. percebeu, mas já faz um tempinho que não apareço para visitá-los. A última vez que vi a mãe já faz quase dois meses, num aniversário! E o sr.? Quando foi que nos vimos pela última vez? Já faz mais tempo, não é mesmo? Não é apenas visita para vocês que parei de fazer, mas para todos meus irmãos.

Cansei. Cansei da falta de RECIPROCIDADE.

Desde que casei, visitávamos todos meus irmãos, telefonávamos sempre para saber notícias, saber como estavam de saúde, etc. Nisso já se vai mais de sete anos! Não tivemos qualquer retorno! Ninguém nos visita! Sete anos de falta de RECIPROCIDADE! Somente nós que damos, mas não recebemos nada em troca: nenhuma visita, nenhum telefonema para sabermos se estamos vivos, se estamos bem de saúde, se precisamos de algo! Isso cansa! Pai, o sr. está aí?

- Okapa.

- Pai, nesse último mês viajamos para a África, foi quando peguei malária. Vocês nem ficaram sabendo! Isso é falta de RECIPROCIDADE numa família. A falta de RECIPROCIDADE cansa. Vai dando uma tristeza, uma mágoa, um aperto no peito, uma dorzinha no coração, que vai apertando, apertando, como um bichinho corroendo por dentro. Esse bichinho que corrói traz danos à saúde, traz doença e doença grave! Pai, o sr. ainda está aí?

- Okapa.

- Pois bem, como o sr. sabe, o Ge tem esse bichinho que corrói. Ele não PODE se incomodar, não DEVE se incomodar e ele NÃO VAI se incomodar porque NÃO VOU DEIXAR! Toda vez que conversamos sobre a falta de reciprocidade em minha família, seu olhos ficam com lágrimas. Sinto que ele sofre e fico triste também. Sabe por que ele sofre? Porque ele chegou a conclusão de que ninguém nos visita e ninguém nos telefona para saber notícia, porque não gostam dele! Então ele resolveu se afastar! Disse que não vai obrigar ninguém a ter o desprivilegio de sua presença. Pai, o sr. continua aí?

- Okapa.

- Sabe o que faço para ajudá-lo? Invento coisas e assuntos que nos distraiam para que não pensemos mais na falta de RECIPROCIDADE: damos risadas, fazemos longas caminhadas, assistimos a filmes, fazemos palavras cruzadas, passeamos, viajamos, enfim, somos felizes! Mas quando ele fica só, fica pensando, martirizando-se, matutando uma maneira de reverter essa situação.

Sete anos é muito tempo! São sete anos de felicidade com meu marido e sete anos de tentativas infrutíferas com minha família!

Estamos cansados de correr atrás da família real! Parece brincadeira, mas é verdade: parece a Família Real! Os membros da família real ficam sentados esperando os súditos aparecerem trazendo seus problemas, informações e presentes. Ninguém pensa no outro.

A vida não é apenas salão de beleza, filme, feira, cinema, teatro, presentes, churrascaria e cerveja. Na vida temos que ter companheirismo! Pai, está aí?

- Okapa.

- Penso que se tivesse um filho telefonaria para ele, de vez em quando, para saber se está bem, se precisa de algo, para dizer-lhe que estou com saudades ou apenas para dizer um “oi”. Tem que haver RECIPROCIDADE. A atenção deve ser recíproca: de filho para pai e de pai para filho.

Será que estou falando algum absurdo? Acho que não. É tão simples!

Será que estou pedindo muito? Também acho que não. Penso que é uma coisa natural: dar-e-receber, bate-e-volta, enfim, RECIPROCIDADE!

Ah pai! Sabe aquela estória que lhe contei sobre ter ido à África e de ter sido acometida de malária? É uma inverdade, tá? Nunca estivemos na África, e, graças a Deus, nunca peguei malária. Foi apenas um exemplo de que muitas coisas podem acontecer sem a família saber.

Pai, o Ge não me trata como uma princesa. Ele me trata como rainha! Levanta cedinho sem fazer barulho, faz chimarrão e vai me acordar com um abraço beeeeeeem apertado e um sonoro “bom dia, amor” no meu ouvido. Quer coisa melhor do que esse desejo de que eu tenha um bom dia? Quer coisa melhor de se ouvir? Saber que um filho está feliz deve trazer felicidade para um pai/mãe também!

Fazemos e conversamos sobre coisas variadas, para não pensarmos no assunto que tanto nos machuca que é a falta de RECIPROCIDADE. Durante a semana somos muito felizes, mas quando chega o final de semana, na igreja, esse é meu pedido principal.

Prefiro dizer que “era” meu pedido principal, porque agora tudo mudou. Resolvi entregar tudo nas mãos de Deus. Agora Ele é que está no comando. Estou em paz, voltei a sorrir. Continua aí, pai?

- Okapa.

- Nossa casa continua aberta para vocês e toda família. Não mudamos de endereço e nem de telefone. Mantenham contato quando puderem (e quiserem). No nosso lar vocês encontrarão: cafezinho passado na hora, alegria, amizade, bom humor, compreensão, paz, carinho, amor, ombro amigo, abraço caloroso, abraço fraternal, abraço filial, abraço cheio de saudades! Pai!

- ... (silêncio).

Após cinco minutos de espera, sem nada ser digitado do outro lado em resposta, resolvi insistir:

- Paizinho!

- ... (silêncio).

Meu pai ficou “off line”.

Puxa vida! Logo agora que ia dizer-lhe que quando quiserem podem nos chamar para bater um papo, tomar um café. Iremos com satisfação!

Vamos se achegar, se aconchegar.

Diminuir a distância e o silêncio.

Aumentar o calor humano.

Construir pontes ao invés de muros.

Creio que seja isso o que está faltando nessa fria-família-fria.

Simone Possas Fontana

(escritora gaúcha de Rio Grande-RS, membro correspondente da

Academia Riograndina de Letras, autora dos romances

MOSAICO e A MULHER QUE RI)

Minhas Anotações:

- Conto escrito em março/2010

- Publicado no livro MOSAICO (Editora Gibim, 2011)

- Publicado no blog: simonepossasfontana.wordpress.com.br