Um plano bem feito
Um raio de sol passando pela cortina entreaberta, bateu em cheio no rosto do homem que dormia.Pelo canto da sua boca escorria um fio de saliva que molhava o travesseiro.No quarto ao lado, a campainha de um telefone tocou várias vezes antes de desligarem .O homem acordou aturdido pelo ruido e tambem pelo raio de sol que lhe esquentava o rosto.Com as costa da mão, limpou a baba grossa,praguejando contra tudo que contribuíra para que ele acordasse tão cedo.Seria muito melhor se tivesse continuado a dormir mais algumas horas, assim, o tempo passaria mais rápido , sem ele perceber, e logo chegaria o momento esperado por tanto tempo.
A paciência humana tem um limite, vai se levando, mas, em determinado momento tudo pode se precipitar e a pessoa não conseguir mais controlar a calma.O pânico é perigoso!Ele sempre tivera persistência e uma vontade férrea, agora porem, sentia-se frágil e ansioso para já estar longe de tudo e de todos.Fugindo do sol, ajeitou-se melhor na cama.A claridade parecia uma lança cortando a poeira no ar,As partículas infinitésimas boiavam na atmosfera como em um mundo a ´parte , e que só pode ser percebido quando um raio de luz atravessa, de um modo especial, mostrando a verdadeira situação do ar que respiramos.
Ele fora sempre uma pessoa de imaginação fértil, gostava de transformar , em segundos, bananeiras plantadas em fila, em soldados prontos a atacarem, ou imaginar que o capim gordura, fechado em touceiras , era o mar que ele nunca vira durante a sua infância.Jamais esquecera a emoção que sentiu quando, realmente, viu o oceano pela primeira vez, e ainda firmou mais a ideia que fazia dele nos tempos de criança, parecia mesmo um imenso pasto verde, balançando ao vento, e, como sempre mudara as coisas ao sabor da sua vontade, agora, iria mudar sua vida.
Sem sono, ergueu-se da cama para apanhar , sobre a mesa, a carteira dos seus documentos.Tornou a conferir o passaporte, a carteira de identidade, os dólares, a passagem, tudo que era necessário.Observou o seu retrato, compenetrado de palito, gravata, os cabelos bem penteados , tudo em ordem para não haver atropelos de ultima hora.Leu mais uma vez:sinais particulares -perna esquerda defeituosa.Defeituosa uma ova! Ela era só dura, esticada, mas, certinha.No seu tempo de jovem, sentira algum complexo , principalmente quando levou um fora da primeira namorada, mas, a bem da verdade não foi a perna o motivo, a moça é que não queria nada com ele.
O plano começou a formar-se na cabeça dele, depois de alguns anos de trabalho.Quem lhe arrumara o emprego foi o seu tio, Pedro Alcântara, um senhor de muita influência na política e que, aproveitava da sua boa situação para ajudar os familiares ou quem lhe desse algum interesse.Era o mais querido e bajulado dos parentes.O que o tio falasse era uma ordem.O lugar que lhe deram, a princípio, não era dos melhores, mas, nele teria probabilidade de subir, dependendo do seu esforço e capacidade, embora, esse último predicado não fosse o mais forte, a inteligência e ambição ajudavam muito.
Sua acessão foi lenta mas precisa, conseguiu transito livre em todos os setores do trabalho.Em qualquer emergência ele era convocado e atendia prontamente, jamais dizia "não".Sua figura arrastando a perna dura , era vista com simpatia de todos.Tornou-se parte do lugar, e quando , por algum motivo forte faltava, sua ausência era sentida por todos.Era tanta distinção, só o salario não fazia jus, pois existia normas e letras a galgar.O plano, começou a ser preparado , nos seus mínimos tetalhes quando faltava algum tempo para sua licença premio, pois este seria o momento ideal.Perdeu muitas folgas epasseios, isolado no seu quarto de pensão, detalhando todos os lances .Depois, teria muito tempo e condições, para desfrutar avida.
Hoje, finalmente, tudo estava pronto e encaminhado.O navio escolhido para suas viagem era de carga, levava poucos passageiros e a passagem era mais barata, alem disso, iria parando em vários portos, o que facilitaria a hora certa de sumir.Na tarde anterior, quando desceras as escadas do trabalho, pela última vez, sentiu até os olhos ardendo pela vontade de chorar, o que ele atribuiu a uma mecha de cabelos que caiu sobre os seus olhos.Organizada, pela colega Malvina , apos o expediente, houve uma festinha de despedidas.Só ela, poderia ter tido a ideia boba disso.Malvina sempre tentara conquistá-lo, mas, da parte dele era um desamor total, não conseguira nunca, inclui-la nos seus planos.Ele não falara para ninguem a hora que iria embarcar, os laços já estavam cortados com a sua vida passada.
Chegou quase na hora do navio, trazia tudo programado, e estava prestes a embarcar, quando avistou Malvina, vindo quase correndo, em sua direção, e, embora contrariado com a presença dela, fingiu que estava contente, enquanto pensava como a mulher descobrira a hora que ele partiria.Deus um beijo rápido na face dela, mas não a convidou a subir a bordo , seria tolice continuar uma coisa que não tinha futuro, nem ela desejava.Sentiu até uma irritação pela mão, de unhas vermelhas, que segurava o seu braço, em um gesto inútil de rete-lo Desvencilhou-se dela começou a subir a rampa que o levaria ao convés.Fora da barra o mar estava muito agitado, e, até ao porto chegava o embalo forte das ondas.O navio sacudia um pouco e chiava nas amarras.A azáfama da hora da partida, as vozes altas trocando ordens, e a emoção o estavam deixando aturdido, desejoso de chegar logo a sua cabine e ficar lá, até a terra sumir no horizonte.A perna dura , pesada, dificultava a sua subida.
Faltavam poucos passos para ele chegar ao topo, a mulher sofridas que o olhava, sentiu que todas as suas esperanças estavam mortas, e com sua voz esganiçada ela gritou para o homem que partia.Impaciente, ele voltou-se bruscamente e, começou a rolar pela rampa íngreme.Voltou a sí, após um rápido desfalecimento e, sem entender, viu todos a sua volta, olhando de uma maneira estranha.Malvina, de boca aberta, parecia sufocar um grito. Assustado foi baixando os olhos até a sua perna dura.Um raio de sol, como aquele que o acordara cedo, batia na calça rasgada e fazia brilhar um exótico aparelho ortopédico, feito de tiras de couro e barras de ouro.
Perto dali, um vendedor de jornais começou a apregoar as notícias do jornal da tarde...extra! extra! não deixem de ler, foi descoberto um grande roubo de barras de ouro...foi roubada a casa da moeda...