229-A ENCERADEIRA ASSUSTOU O GAROTO
A ENCERADEIRA ESPANTOU O GAROTO
01 = Ah! As artes que fazemos quando somos crianças. Não tem ninguém que não tenha feito uma arte. É só puxar pela memória.
Quem de vocês não se lembra de uma traquinagem feita na infância?
Aguardar manifestação da platéia.
Pois é. Todos nós temos nossas recordações de traquinagens.
02 = Foi uma vez, numa cidade do interior, lá pelos idos dos anos 60 = do século passado! Tudo começou bem de manhã. Fernando, garoto de seus 5 ou 6 anos, observava Maria, a empregada na limpeza da sala. A mulher já tinha passado a cera no assoalho da sala e estava usando a enceradeira, para dar o lustro.
03 =Fernando era fascinado pelos aparelhos elétricos da casa, mas, principalmente, pela enceradeira. A novidade do aparelho deixava o garoto maravilhado. Via a empregada guiando aquela máquina, com cabo brilhante e as três escovas giratórias rodando. Ficava horas, observando a mulher no comando da máquina. E pensava: Aposto que essa máquina já tá tão acostumada com o serviço que é capaz de andar sozinha pela sala.
04 =Maria parece que adivinhava o pensamento do garoto. Jamais deixava a enceradeira ligada, retirava o fio da tomada toda vez que tinha de sair, para um e outro serviço na casa.
No meio daquela faxina, escutou um estranho chiado vindo da cozinha: era o leite derramando no fogão. Foi obrigada a interromper o trabalho com a enceradeira..
Mas antes de sair da sala, desligou a enceradeira da tomada. Assim, esse garotinho aí não vai fazer arte.Pra garantir a segurança, mandou o garoto brincar no quarto.
05 = Fernandinho sabia que a força da máquina vinha da eletricidade. Quando viu, pela fresta da porta, Maria na cozinha limpando o fogão, sabia que o serviço ia demorar. Correu silenciosamente para a sala, pegou o fio e fupt! Fez a ligação, correu até a enceradeira e ligou a pequena alavanquinha.
06 = A máquina começou a girar no meio da sala, em círculos cada vez maiores, e foi batendo nos móveis, começando a quebradeira: cristais sobre a mesa, vasos pelos cantos. Foi girando até que esbarrou na cristaleira, quebrando os vidros das portas e os delicados objetos de louças, vidros, porcelana.
07 = Maria correu da cozinha e chegou na sala no mesmo tempo que a patroa, vindo do quintal. O banzé já estava instalado, a máquina abalroando tudo à sua frente. Fernandinho já tinha sumido. Mas as duas mulheres tinham certeza de que se tratava de mais uma do garoto.
= Cadê ele, Maria?
= Uai, dona Eliana, mandei ele pro quarto, deve tá lá;
Que nada. Procura nos quartos, no quintal, nada. Fernandinho sumira. Desesperada, a mãe manda o outro filho, mais velho, correr até o Banco, onde o pai trabalhava, dizendo do sumiço do filho.
08 = E Fernandinho? Ao ver a bagunça, saiu correndo pela porta da frente, correndo atravessou a rua e entrou na casa da avó, que ficava em frente. E Na casa da avó, sem que ninguém se desse conta, foi se esconder detrás do sofá no escritório do Avô.
=Aqui só entra o vovô, ninguém vai pensar em me procurar aqui.
Deitado sobre o tapete, quietamente Fernandinho acabou por dormir.
09=Em casa, a confusão durou todo o dia. O pai veio almoçar e não voltou ao Banco. Foi correr a cidade, procurar por tudo quanto é canto, no que se foi a tarde. A mãe, muito devota, acendeu mais de uma dúzia de velas e rezou uma porção de terços para que seu filho fosse encontrado.
10= Cinco horas da tarde. Fernandinho acorda, E com a cara mais lambida do mundo, volta pra casa. Cm fome, passa pela sala e dirige-se à cozinha, onde a família prepara-se para o jantar, a mesa posta. Quando chega à porta, a mãe o abraça, enxugando as lágrimas e dando graças aos santos de sua devoção. O irmão dá um risinho maroto, já prevendo as conseqüências.
11 =O pai, de cara amarrada, levanta-se da mesa, pega o garoto pelas orelhas e o leva até o quarto. A enceradeira, num canto, com cara de santa inocência. O pai explica então ao garoto como funciona a enceradeira, que não pode funcionar sozinha, que deve ser usada só pela empregada.
= Aprendeu?
= Claro que aprendi. = Resposta do garoto tinha um pequeno tom de insolência.
= Então para você nunca se esquecer... = o pai tira a correia e dá umas boas correiadas no garoto. Que suporta tudo sem reclamar.
12= O pai interrompe a surra. O garoto se dirige para a porta, pois está com fome, e a surra aguçou seu apetite. Pretendia sair, quando o pai falou:
= Espera aí, ainda não acabou não senhor! Essas correiadas foram por ter mexido na enceradeira, no que não devia. Agora faltam as correiadas por você ter sumido de casa.
Antonio Roque Gobbo –
Belo Horizonte, 11 de junho de 2003. -
conto # 229 da Série Milistórias