O passageiro
João Maurício nunca teve preferência por qualquer tipo de condução ou horário para ir ao trabalho, mesmo morando num subúrbio da cidade e trabalhando no centro, todo dia pegava o que lhe fosse mais conveniente, às vezes ia de trem, outras vezes de ônibus. Escolhia a condução sempre de acordo com o tempo que tinha. Para ele não importava muito, pois não sentia nenhum prazer no que fazia e por isso qualquer jeito de chegar ao seu trabalho servia, contanto que sempre chegasse no horário. Até que um certo dia alguém que ele viu fez com que passasse a pegar sempre o mesmo ônibus e no mesmo horário para ir ao trabalho. Tinha sempre outras opções, mas de uma hora para outra passou a fazer questão de pegar sempre aquele coletivo e, de preferência, no ponto final. O trabalho continuou sem dar-lhe nenhum prazer, porém a sua viagem de ida passou a ser motivo de alegria.
Esse motivo não tinha nome, ainda. Tinha somente um rosto, cabelos, pele e um sorriso – para ele o mais belo sorriso que já tinha visto em toda sua vida.
Num dia em que conseguiu levantar bem mais cedo do que o habitual e com bastante tempo para preparar-se, João resolveu experimentar uma linha nova de ônibus para ir ao trabalho. Afinal se algo desse errado, teria tempo de sobra para tentar outra condução. Foi nesse dia em que viu passar pela roleta a criatura que de certo modo daria um rumo novo a sua vida. Ou ao menos a forma de ver a si mesmo. Poucas vezes havia visto uma combinação tão perfeita de olhos, cabelos, pele e modos. De repente ele percebeu que se o trabalho não tinha graça, a viagem de ida já seria um excelente motivo para levantar todos os dias um pouco mais cedo e com muito mais disposição.
Ficando completamente absorvido pela imagem da menina, naquele momento decidiu que de agora em diante ele teria um ritual todos os dias: pegar sempre aquele mesmo ônibus. Para seu azar ela decidiu ficar na parte da frente, enquanto ele estava lá no fundo. Ficou ainda mais atraído por ela ao ver que além de muito bonita era também extremamente simpática, pois agradeceu com um sorriso encantador a senhora que pediu para segurar sua bolsa. E ficando do seu canto observando-a enquanto a viagem seguiu sem problemas.
No dia seguinte, levantou com muito mais disposição e sorrindo como se estivesse indo para uma viagem de lazer. Barbeou-se com esmero, escolheu com um excesso de cuidado a roupa que usaria e perfumou-se com a colônia que só usava em ocasiões especialíssimas. E saiu para pegar seu meio de transporte. Para sua felicidade ela outra vez pegou o ônibus, entretanto dessa vez ela decidiu ficar na parte de trás do ônibus. Ele que havia ficado na frente mais uma vez ficou observando-a de longe, pensando que sua vida agora tinha uma razão para existir. E assim foram passando os dias. Eles sempre pegando a mesma condução e ele sem coragem de falar com ela, até porque ela poderia acha-lo inconveniente.
Até que um dia ele tendo todos os motivos para ficar super mal-humorado. Pois era ponto facultativo e dessa vez, por causa da escala, ele teria que ir trabalhar. E por ser véspera de feriadão ainda havia alguns lugares para sentar quando ele entrou. A essa altura, no ponto onde ela costumava entrar no ônibus, só havia um lugar vago – e era ao seu lado. Mas para sua grata surpresa ela também estava indo pro trabalho. Quando a viu entrando ele nem acreditou e o que era melhor: ela iria sentada ao seu lado. Era a chance para conversarem. Ela ao se aproximar deu-lhe um bom dia – o melhor e mais doce bom dia que ele havia recebido na sua vida – e pediu-lhe licença para sentar-se ali. Logo começaram a conversar sobre coisas corriqueiras entre passageiros de coletivos: como o transito naquele dia estava bom, como aquele motorista era meio devagar, entre outros assuntos. Nesse dia ele ficou sabendo o nome dela. Era Danielle e trabalhava como auxiliar de departamento pessoal em um grande escritório de advocacia, mas que o grande sonho dela era trabalhar em uma clínica veterinária, mesmo que fosse como atendente, pois ela tinha verdadeira paixão pelos animais, principalmente os cães de porte pequeno. Ele estava tão encantado com ela que nem percebeu que já estava próximo ao ponto em que ele desceria, só percebeu porque um passageiro queria descer fora do ponto, chamando a atenção do motorista. Então ele teve que se despedir dela. Mas sem a menor dúvida de que aquele seria o melhor dia da sua vida e nada iria fazer com que ele perdesse aquele sorriso que agora brotava em seu rosto.
Nos dias seguintes, por já ter motivos para se aproximar de Danielle, ele passou a ficar parado logo na parte da frente do ônibus assim eles poderiam conversar. E assim foi, passaram a todo dia viajar um ao lado do outro sempre conversando sobre todo tipo de assunto. Até que numa sexta-feira ele perguntou se ela tinha algo para fazer naquela noite, pois um amigo seu iria para Porto Alegre e os amigos estavam preparando uma festinha de despedida. Danielle, a principio, ficou receosa porque seria uma despedida entre amigos e ela nem era do grupo ou conhecia o rapaz que iria para longe, ao que ele logo fez questão de acalma-la dizendo que seus amigos eram pessoas super tranqüilas e que sempre estavam dispostos a agregar mais uma pessoa ao círculo. Com essa resposta ela ficou mais tranqüila e disse que aceitava o convite, mas iria se pudesse levar uma outra amiga. Como João disse que tudo bem marcaram que se encontrariam no ponto onde ela sempre pegava o ônibus às vinte e uma horas.
Nunca ele tivera tanta pressa para que o expediente acabasse como naquele dia. Passou o dia inteiro olhando para o relógio na expectativa de que dessa forma o tempo passasse mais rápido. Quando faltavam ainda trinta minutos para o fim do expediente, ele já estava pronto e louco para ir embora. Ao que o relógio marcou que era hora de ir ele só não foi o primeiro a sair por que sua sala ficava no décimo quarto e último andar do prédio.
Chegando em casa, sua primeira providência foi verificar se o carro estava em condições de uso. Depois foi tomar seu banho e arrumar-se. Com quinze minutos de antecedência ele estava no ponto de ônibus aguardando Danielle, afinal de contas não queria cometer a deselegância de deixa-la esperando logo no primeiro encontro. Estacionou o carro alguns metros à frente do ponto e foi esperá-la no local marcado. Quando a viu aproximar-se quase entrou em êxtase. Como ela havia conseguido ficar ainda mais bela? Perguntou-se enquanto ela chegava mais perto. De repente ele escuta alguém gritar e ao olhar na direção do grito vê um carro desviando de um cachorro que atravessa a rua. O motorista consegue desviar do animal, mas fecha um ônibus que vinha logo atrás. Para não bater no carro, o motorista do ônibus é obrigado a frear bruscamente e, perdendo o controle do veículo, sobe a calçada e atropela nosso amigo João Maurício, que por estar tão embevecido com a beleza de sua musa não tem tempo de se proteger, caindo no chão e tendo como última imagem da sua vida o belo e iluminado rosto de sua amada Danielle, que ainda corre ao seu encontro tentando socorrê-lo. Mas não tendo sucesso, pois João Mauricio morre quase instantaneamente.