SAIAS
SAIAS.
Literalmente eu corri atrás daquela saia.
Ela passou por mim, mas só a reparei quando estava três metros à frente: Sua estamparia amarela dançava ao ritmo dos passos ligeiros de sua dona. Deviam ser perfeitas as pernas cobertas por aquela saia (eu presumia!) vendo a forma como avançavam elegantemente não obstante a pressa com que investiam contra o vento forte que prenunciava um temporal.
Incansável eu segui a saia amarela.
Da mulher que a vestia eu vi os cabelos escuros esvoaçantes e um vislumbre dos braços carregando um ramalhete de rosas vermelhas.
A moça estugou os passos e eu tentei manter entre nós a mesma distância (não queria ultrapassa-la, por enquanto). Desejei conhecer aquele rosto: a cor dos olhos, os feitios do nariz, dos lábios, a curvatura do queixo... Teria aquela moça um desses sorrisos iluminados?... Uma pele louçã, dourada pelo sol?...
Sob um céu plúmbeo eu acompanhei a saia amarela.
Examinei o porte da mulher que a vestia: espáduas retas, cintura fina, quadril ondulante. Vi os rápidos pés que surgiam sob a barra da saia amarela, calçados num sapato preto de salto baixo.
Por três quarteirões persegui a saia amarela.
A ventania intensificou-se; grandes gotas de chuva começaram a cair.
A moça vestindo a saia amarela, atravessou correndo a rua pela faixa de pedestres. O sinal verde acendeu-se; os carros avançaram; com o trânsito fluindo, não pude acompanhar a moça e sua saia amarela, que entraram pela porta de um edifício, que ao se fechar, escondeu-as de mim.
Quando, de carro, vou dirigindo pelas ruas, procuro manter-me a salvo do estresse causado pelos congestionamentos; tento ignorar imperícias e equívocos alheios, enquanto me envolvo no tráfego insano. Distraio-me observando a movimentação das pessoas, observo rostos, atitudes... Como contador de histórias, foco no imaginário, engendro fantasias, elaboro ideias, enquanto, em torno de mim, motoristas tensos se impacientam, se incendeiam, se desgastam muito além do possível.
Num desses dias de trânsito caótico, repentinamente, olhando pelo espelho retrovisor, dei com o relâmpago azul de uma saia entre os transeuntes que se encaminhavam para a calçada à frente. Fixei os olhos na imagem: E, de pronto, reconheci, a mesma elegância de meneios, a mesma sensual desenvoltura da mulher vestida com uma saia amarela que eu seguira num outro dia. Era a mesma mulher, (tive certeza), dessa vez trajando uma saia azul. Não demonstrava nenhuma pressa. Seguia rua afora levada por seus graciosos passos; os cabelos que antes eu vira, desfeitos pelo vento, escondiam-se então sob um chapéu de abas estreitas, enfeitado com uma fita escarlate; atravessada ao corpo levava um bolsa cor de palha. Os braços nus, ao longo do corpo, acompanhavam livremente o ritmo do seu andar ondulante.
Eu não poderia repetir a aventura de segui-la. Preso na gaiola mecânica do automóvel acompanhei, com os olhos, seu vulto até ele se perder á distância.
Buzinas soavam insistentes. A fila interminável de veículos movimentou-se lentamente. E pelo resto do meu trajeto fui perseguido pela lembrança feitiçeira das saias coloridas de uma mulher sem rosto.