APENAS UM ENCONTRO
Há certos encontros que parecem estar fadados, só aguardando o momento em que os caminhos dos protagonistas se cruzem.
O meu cruzou com o dela em uma esquina. Eram 5h da manhã e vinha de uma noitada terrível, muita bebedeira, fumo e homens solitários descrevendo mentirosas peripécias de "bons tempos" mais imaginários que reais.
Pela cara dela a noite também não havia sido boa, trazia olheiras misturadas com manchas pretas de lápis escorridas pela face,
o batom desigual nos lábios e o mesmo aspecto de quem trazia, também, o gosto amargo de pano molhado na boca.
Ficamos alguns segundos um driblando o outro; ginguei o corpo desobediente para a esquerda e ela para sua direita,
inverti o sentido ao mesmo tempo que ela e já estava ficando puto quando botou as duas mãos no meu peito e pediu que parasse a porra do meio-fio que ela queria descer da calçada.
Fiz o mesmo, só que ao invés do peito, me apoei em sua bunda e ficamos ali, as 5 da matina em uma esquina, semi-bêbados trocando mau-hálito; ela com as mãos no meu peito e eu com as minhas em sua bunda.
Fui assaltada por um pivete que me levou bolsa, chaves e documentos, disse-me, ensaiando um vômito em minha barriga.
Vamos para o meu barraco, disse-lhe, e sem esperar resposta, apontei o meu nariz e o dela para a esquerda, direção em que julgava estar a quitinete.
O porteiro abriu-nos a porta com mau humor e nem ao menos ensaiou um bom-dia.
Mal fechei a porta, perguntou onde era o banheiro, tropeçou até lá e vomitou até as tripas, botou a cabeça embaixo do chuveiro e sem se enxugar, atirou-se na cama de roupa e tudo e em dois minutos estava ressonando como se morasse comigo havia anos.
Olhei o corpo deitado de bruços e ainda insinuei um meio tesão, que a danada não era de se jogar fora, mas acabei desistindo de qualquer pensamento erótico; o sono e o cansaço estavam presentes na meia-bomba que armei sem entusiasmo.
Tirei a roupa toda, fiquei meia-hora embaixo do chuveiro, vomitando e bebendo a última meia garrafa de vodka que sobrara da noite anterior.
Ressaca cura-se com mais uma dose, falei comigo mesmo.
Após empurrá-la para o lado, deitei pelado mesmo, abraçado à garrafa vazia e a metade do corpo em cima da desconhecida.
Acordei às cinco da tarde, a cabeça latejando e o mesmo gosto de couro cru na boca.
Só fui me lembrar da moça quando vi minha carteira aberta sem dinheiro e cartões atirada no piso.
Filha da puta, pensei.
E voltei a dormir.