Da dor e da perda.

DA SAUDADE E DA PERDA

Ah, as sextas após as aulas: Alessandra não sentia mais as pernas, os braços, o corpo tamanho era o cansaço ( primeira semana no trabalho novo como estagiária em uma empresa de automação ultramoderna e igualmente exigente) mas Antônio a convenceu

- Vamos, só uma cerveja .A gente nem vai se ver amanhã .Vou sair com a Amanda, lembra?

- Uma só, depois vou embora, e você também.

Ele não tinha assistido nenhuma aula durante a semana por causa do trabalho: Reuniões fora da cidade, contratos atrasados, mas não mais que os relatórios das piores matérias que Alessandra terminava por ele.

Uma cerveja prometida, carona dada. Ao deixá-lo na porta de casa ela deu uma de irmã mais velha:

- Antônio, segunda vê se aparece na aula, precisamos de você

- Vocês sempre precisam

Ele não imaginava o quanto

*

Alessandra sentia-se perdida em pontos de interrogação que pareciam embaralhar seu cérebro

- Ele sumiu como? Ninguém some assim.

Antônio era um de seus melhores amigos e companheiro de faculdade, parte do trio inseparável que formava com Maria Júlia e Mateus. Passavam aulas e fins de semana juntos, mas no anterior eles haviam tido planos diferentes e na segunda feira Antônio não havia dado notícia. Nem para contar de seu encontro com a linda Amanda no sábado ou para seu chefe.

- Depois do escritório tentei ligar no celular e nada – Maria Júlia estava pálida, as mãos tremendo, torcendo para que sua preocupação estivesse sendo exagerada.

Mateus se agarrou à qualquer resquício de otimismo:

- Imagina, ele vai aparecer , você sabe. O fim de semana deve ter sido bom

Brigando com o mau pressentimento, Alessandra voltou-se para o exercício de Física. Sem sucesso.

Antônio não apareceu. O mais perfeito dos fins de semana não justificaria a terça sem notícias, a quarta desesperadora. Ninguém tinha o contato de seus familiares. Não foi preciso.

Na quinta feira Marcos, o sisudo coordenador do curso apareceu na sala de aula:

- Tenho uma notícia triste para dar a vocês.

Nem todo o pessimismo do mundo os teria preparado para o terrível fato de que Antônio estava morto. Havia sido um assalto segundo a polícia, malsucedido (Existem assaltos de outro tipo?)

"Os criminosos estavam presos?" "Onde o corpo foi encontrado?" . De repente as perguntas que os atormentavam passaram a ser formadas por palavras cor de sangue. E definiram todos os seus dias nos quatro anos seguintes.

Quando olhavam para sua cadeira vazia gostariam de sentir algo banal, corriqueiro. Mas naqueles anos a ausência de Antônio só se fez doer como um corte que demora a cicatrizar. As piadas, as ajudas com as benditas aulas de estatística passaram a ser sinônimo de saudade. Foram embora com ele, e não voltariam nunca mais.

Resistiam ao impulso de imaginá-lo passando pela porta , ao desânimo que deu o tom daqueles primeiros meses, do primeiro ano. Mas ainda havia algo em seus corações, em suas mentes. Algo que os modificou, dando à vida que tinham um forma dura e irreconhecível

Formaram-se. Ao receberem seus diplomas, a sensação de orgulho e dever cumprido só não foi maior do que o sentimento que os acompanhava desde aquela quinta feira terrível : De que sua confiança no próximo, sua segurança e seus dias felizes lhes haviam sido tirados da maneira mais brutal. Quando perderam Antônio, eles perderam a si mesmos.

D.S.Consiglio