FUGA

Dona Olímpia e Seu Assis eram vizinhos há muitos anos. Ainda jovens mudaram com suas famílias para a vila recém construída, no bairro que, naquela época, era distante do centro da cidade.

Os filhos das duas famílias cresceram juntos e chegaram a namorar, sem que os namoros chegassem ao casamento, mas foram, e permaneciam, grandes amigos. Os anos se escoaram, as crianças cresceram, casaram, foram morar noutros locais, surgiram os netos que vez por outra apareciam para encher de alegria infantil, as casas que, agora, só abrigavam sexagenários...

Depois de lidar anos sem fim com a doença do marido, a dona Olímpia ficou viúva.

Os filhos queriam que ela vendesse a casa e que ficasse, como judeu errante, passando temporadas, ora na casa de um, ora na casa de outro filho.

Como dona Olímpia sempre soube que esse tipo de arranjo não serve para ninguém, mesmo porque nunca deu certo, que iria se tornar um estorvo na vida dos genros, noras e principalmente dos netos, não arredou o pé de casa.

Só depois de muita insistência foi que concordou em contratar uma empregada que viria nos dias úteis da semana fazer os serviços da casa. Da mesma forma, quando seu Assis ficou viúvo, não concordou em vender ou alugar a casa. Arranjou um serviço de marmita e contratou, como faxineira, a mesma empregada da dona Olímpia.

Todos os sábados dona Margarida, enquanto fazia a limpeza da casa, conversava com seu Jeremias...

- Se eu fosse o senhor me juntava com dona Olímpia...

- Você pare com essa conversa, porque dona Olímpia é uma mulher séria e eu não quero perder uma amizade de tantos anos por causa de fofoca besta.

- Taí mais um motivo para o senhor juntar as escovas de dentes, a sua com a dela. Amizade antiga é o outro nome de amor...

Os dois são viúvos. Os filhos estão casados, os dois não querem dar trabalho a ninguém nem querem ir morar em asilo...

Se eu fosse o senhor eu falava com ela ainda hoje e tenha a certeza de que ela quer...

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As comemorações da paróquia, além da quermesse, teria uma viagem para conhecerem o Santuário de Nossa Senhora das Montanhas em Pesqueira e a preferência era para o pessoal da terceira idade.

- O senhor vai seu Assis?

- Só vou se a senhora for dona Olímpia, porque eu conheço pouca gente e os que eu conheço, falo, mas não gosto de conversar.

É um bando de velhos chatos, que só sabe conversar doenças...

É dor aqui, é dor acolá...

Que foi para tal hospital, que tem tantas receitas, que toma tantos comprimidos por dia, que tem um parente que morreu, que danou-se... Tem até gente com a guia de internação, sem data, para ser preenchida na hora da necessidade.

- Pois então prepare a sua maleta porque nós vamos. Meus filhos não querem que eu vá, mas quando eles nasceram eu já era dona da minha vontade.

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No sábado seguinte, logo cedo, o ônibus fretado para a viagem estacionou na praça em frente à igreja.

A velharia estava em polvorosa.

O ônibus era daqueles grandões, com os todos os assentos na parte superior, com ar condicionado e janelas panorâmicas.

Primeiro entrariam os casais porque havia muitos desacompanhados que se entrassem na frente iriam ocupar todas as janelas e separar os casados.

- Considere que nós somos casados, meu filho. Seu Assis e eu vamos sentar no mesmo banco. – Disse dona Olímpia ao rapaz encarregado do controle de embarque.

Mais ou menos uma hora depois o ônibus pegou a estrada rumo ao interior.

As cidades foram surgindo na frente do janelão como na tela de um cinema, em cuja primeira fila estavam sentados seu Assis e dona Olímpia.

Na hora do almoço, pararam em Caruaru e, quando a viagem recomeçou, seu Assis disse:

- Eu vou mudar para uma cidadezinha dessas qualquer. Morar por aqui deve ser bem melhor do que na capital...

- Eu também acho seu Assis...

Por causa da viagem longa, os excursionistas dormiriam em Pesqueira para só voltarem no domingo.

E antes de qualquer coisa, foram fazer os registros no pequeno hotel onde também iriam jantar.

- Diga uma coisa, esse menino. Como é a vida por aqui? – Perguntou seu Assis ao atendente do balcão.

- Prá quem está procurando nada prá fazer, um canto onde o dia custa a passar e gosta de silêncio, não tem melhor lugar no meio do mundo não senhor.

- E tem casa prá vender ou alugar, por aqui por perto?

- Logo aqui atrás, na rua do banco, tem uma casa que dá muito bem pro senhor e prá sua mulher. – Disse o rapaz apontando para dona Olímpia.

- Onde é que eu pego a chave pra correr a casa?

- Eu levo o senhor lá agorinha mesmo. Ô, Zé Pequeno! Zé Pequeno, fica aqui no meu lugar, que eu vou mostrar a casa de pai prá esse casal...

O restante do sábado foi para conhecerem a cidade, visitar o comércio, comprar roupas enfeitadas com renda renascença, especialidade do lugar.

No domingo, logo cedo, o grupo foi andando conhecer o santuário e o nicho com a imagem da santa, lá nas alturas da serra enevoada por causa do frio.

Quando chegaram ao santuário, o padre estava terminando de batizar um bando de meninos feios por peste, mas todos enfeitados, como os padrinhos e os convidados.

Depois de muita conversa e do testemunho de todos os participantes da excursão de que seu Assis e dona Olímpia eram viúvos, o padre abençoou a união dos dois e, sem avisar nada para os filhos, o novo (velho) casal mudou, mês passado, de mala e cuia para a casinha, de porta e janela, para a Rua Aribé de Barro, número 33 – centro – Pesqueira/PE.