Pronominais
Certo dia, estavam as três irmãs – Próclise, Mesóclise e Ênclise – reunidas na sala, tomando chá com bolachas integrais. As três não casaram e ficaram com a ingrata missão de vigiar a colocação pronominal da gramática da língua portuguesa. Mas eis que chega uma visita indesejada, a Morte, que adentrou na casa delas:
- Oi, meninas! Cheguei! – Anunciou a Morte, efusivamente.
- Que susto! Quer matar a gente do coração? – Reclamou Próclise, que sempre faz questão de falar tudo primeiro.
- A ideia é justamente essa! – Riu a Morte.
- Mas o que você está fazendo aqui? – Perguntou Ênclise.
- Levar uma de vocês. Chegou a hora!
- O quê? Como assim? – Assustou-se Mesóclise.
- Isso mesmo que vocês escutaram. Pensaram o quê? Que iam ser eternas?
- Mas nós vigiamos a gramática! – Reclamou Próclise.
- A gramática não precisa mais de vocês. As regras já estão nos livros e os professores ensinam. Portanto, não tem jeito. Vim escolher quem vai primeiro. Para vocês não dizerem que sou má, deixo vocês conversarem uns trinta minutos para decidirem quem parte comigo.
A morte saiu da sala e foi para fora. As três se entreolharam assustadas:
- E agora? – Olhou Próclise, buscando uma saída. Ênclise tomou a palavra. Parecia até que estava num tribunal do júri:
- Simples, gente. Vamos escolher quem é menos utilizada na língua portuguesa que, no caso, é Mesóclise.
- Eu? Nem pensar! Vamos fazer sorteio, então. É mais justo.
- Sorteio nada – interrompeu Próclise – você nem é mais lembrada. Ninguém usa, saiu de linha. Você deve ir primeiro sim. Quantas vezes você vê uma frase do tipo: “Dir-lhe-ei tudo o que penso”?
- Eu sei que ninguém me usa mais, mas ainda estou viva. Estou na gramática. Estou nas regras.
A discussão continuava e ninguém arredava da sua opinião. Ninguém queria ir. Até que passaram os trinta minutos e a Morte voltou à sala:
- E aí, meninas? Já decidiram quem vai comigo?
- Nós três! – Surpreendeu Mesóclise, com a resposta ousada.
- Tá louca! A gente não combinou isso? – Reclamaram Próclise e Ênclise.
Mas como a Morte só quer uma desculpa....
E lá estavam, no cemitério da gramática, os três caixões sendo velados pelo trema, pelo acento diferencial do ‘pára’ (verbo), pelo hífen de autoajuda, pelo acento agudo de "idéia"...