Uma época simples
Eu me lembro tão bem de quando a vida era mais simples. Acordava, olhava pra ela e me sentia feliz. Às vezes, feliz nem é a palavra, mas tinha um carinho no ar. A gente se dava bem. Era uma coisa diferente. Não tinha preocupações, saía, fazia o cansativo, medíocre e ridículo trabalho que mensalmente garantia que minha cerveja não deixasse de descer pela garganta, pagava as contas da casa e um ou outro luxo que quisesse ter.
Era tudo mais simples. Eu olhava o fundo do copo, bebia, via que tava fodido e não me importava. O fundo do copo me encarava, e sempre transmitia a mensagem de que ele era o meu calmante. Então chegava em minha casa e lá estava ela. Deitada com a camisola de renda, uma cor pra cada dia. Ela me chamava, tirava meu casaco e pendurava na cadeira pelo encosto, me beijava o rosto e dizia que me amava, depois íamos pro quarto e fodíamos. E isso sim era uma delícia. Ah nessa hora não em importava nada do que tivesse acontecido. Ela me fazia ficar bem, então acabávamos logo em seguida dormindo.
O que não entendo, é porque as coisas deixaram de ser simples. Eu chego em casa a uns dois meses atrás e não tem ela de camisola me esperando, nada de alguém tirando meu casaco, e puta que pariu, é uma merda tirar esse casaco. Nem tento pendurar, deixa essa merda de lado. Olho a casa, vou ao banheiro e ela não está. Vou chamando seu nome e tudo que escuto é o barulho dos carros passando na rua. Chego ao quarto e lá está o bilhete. Papel de caderno, uma letra redonda, e até bonita. Porra, eu nem sabia que a letra dela era bonita assim. Mas tem coisa errada com esse bilhete. Ele diz os nossos detalhes, como se não fossem simples do modo que me lembro.
“Seu porco, estou indo embora. Não aguento mais, viver com um desgraçado, cachaceiro e filho da puta, que chega em casa tarde e nem se preocupa em saber se estou bem. Um maldito que só sabe andar com o cheiro da bebida exalando e deixa insuportável a aproximação. Vagabundo que chega no trabalho, e não faz nada, já falei mais de uma vez que você só estava lá ainda, porque meu pai não quer que eu passe fome e joga na minha cara todos os dias que você é um atraso de vida e que não presta. Um vagabundo claro.
Você saí de lá e vai beber. Porra, até aí normal. Mas existe uma diferença entre tomar uma ou duas garrafas de cerveja pra distrair e tomar o suficiente pra não conseguir tirar uma porra de uma blusa. E todos os dias quando eu vou tirar ainda tenho que aguentar você agarrando meu corpo e praticamente me apertando contra seu rosto pra dar um beijo nele. Você fede.
E pra finalizar, eu cansei de ter que te levar pro quarto e cair com seu peso em cima de mim sobre a cama, pra depois ainda ser visto como se eu quisesse dar pra você. Você não sabe o que é foder. Você só sabe tirar esse pau nojento pra fora, e colocar de uma vez, sem se preocupar se já estou molhada ou interessada nisso, sem ter o mínimo de consideração com o meu prazer e as preliminares. Vem, bomba algumas vezes, goza, vira e dorme.
Antes eu não gostava nada disso, mas hoje eu agradeço pela velocidade com que acaba, porque pelo menos não te aguento em cima de mim muito tempo.
Vou atrás de uma vida melhor, não me procure, não se pergunte se pode melhorar, mesmo que melhore eu não te quero de volta.
Adeus.”
Essa mulher é louca, dizer cada insulto como esse? Porra. Eu sempre me preocupei com ela. E pior que ela falou sério mesmo. Dois meses se passaram e não tive nem notícias. Um dia depois da carta eu fui demitido pelo pai que não economizou palavrões. Pelo menos aqui no bar eu enfrento meu demônio no fundo do copo. Ele sorri pra mim e eu retribuo. Pensamos igual. As pessoas são muito críticas. Eu não faço nada demais. Só que hoje sinto falta dela. De tudo que tínhamos. Sinto falta daquela época simples.
Era tudo muito simples, e hoje eu saio sem o meu casaco, porque deixou de haver simplicidade até em tirar ele e pendurar no encosto da cadeira.