Meu Pai

Meu pai

Meu pai, não tinha nada de especial, era apenas meu pai, guardo poucas , mas boas lembranças, sempre estava viajando não lembro ao certo com que trabalhava, mas lembro que era muito conversador , contava muitas histórias, tinha grande imaginação.

O timbre de voz era tão alto que suas conversações eram confundidas com briga, falava gritando... Era exagerado.

Se fosse visitar algum enfermo, ou ele morria de vez, ou levantava-se no mesmo instante, tal era o exagero.

Lembro que sempre que chegava a casa, gostava de ir á venda de seu Manoel, um português com um vasto bigode, e muito simpático. Vendia de tudo um pouco, e meu pai gostava de comprar umas bolachas que eram vendidas por quilo.

Certa vez, pediu que eu fosse, me disse quanto queria que eu comprasse, fiquei esperando que me entregasse o dinheiro, mas apenas disse:

-Vá menina, diga a seu Manoel que é fiado.

-Quando seu Manoel me entregou o pacote, fiquei esperando , observei que o dono da venda afastava-se.

-Seu Manoel, disse com voz acanhada, o troco, o Senhor esqueceu de entregar o troco.

-Troco? Que troco estares a pedir, não me entregastes nenhuma moeda.

- O troco, quero o troco.

Ele me olhou com cara estranha;

Não me intimidei

- É que eu... Não vou embora até o Senhor me entregar o troco.

O homem já perdendo a paciência, disse em alto e bom tom.

-Você não me pagou, compreendestes?

-Quero o troco.

-Porque não vais embora, hein.

-Não vou. Disse eu decidida.

Não desisti, fiquei de plantão esperando o troco, vez em quando o dono da venda olhava para certificar-se que eu já tinha ido embora, ao ver que era em vão a tentativa de me convencer, que eu não ia mesmo sair dali, pediu que um moleque que ficava a vadiar nas ruas e que prestava alguns favores em busca de ganhar algumas moedas, fosse chamar o meu pai.

No momento que o vi conversando com o pequeno, não me constrangi, fiquei a espera do meu troco.

De repente vejo meu pai descendo a rua acompanhando o menino.

Meu Deus È agora vou tomar uma surra, tratei logo de me defender.

-Pai a culpa não é minha. Seu Manoel não me deu o troco.

Meu pai olhou-me, bastou para que eu entendesse que algo estava errado e o pior da minha parte.

Num momento achei que fosse sorrir noutro que estava bravo. Parecia que a primeira opção fosse a mais provável, embora se contivesse para evitar claramente o que sentia.

Pigarreou e disse.

-Vamos embora.

Tomou-me pela mão, pediu desculpas ao dono da venda.

Fomos calados até em casa, ele não era de muitas palavras. Eu pensava em perguntar por que tinha aceitado tão facilmente vim sem o troco, mas conhecendo bem meu pai, eu já estava num dia de sorte, em não ter apanhado ou escutado um sermão daqueles...

Chegando a casa minha mãe nos aguardava ansiosa me abraçou e perguntou:

-Que demora Alice, o que aconteceu?

-Só queria o troco.

Que troco minha filha, você não pagou, o troco é o dinheiro que é dado a mais do valor da mercadoria, entendeu?

-Não entendi muito bem, realmente não havia entregue nenhum dinheiro, mas o fato é que não me conformava queria o troco.

Toda vez que meu pai chegava de viagem era uma alegria inenarrável éramos muito ligados, tinha um irmãozinho, mas era muito pequeno. Eu e meu pai saíamos sempre juntos.

Lembro certa vez que ele parou o carro a beira de um rio mergulhou, fiquei a margem esperando me desesperei quando não o vi mais, pensei que tinha desaparecido na água, se afogado. Comecei a chorar.

Quando ele reapareceu nas águas, me viu banhada em lágrimas.

- tá chorando? Por quê? Foi só um mergulho.

Aliviei meu coraçãozinho.

Estávamos sempre juntos, era um amor puro verdadeiro, até que a vida nos separou , meu pai sem nada dizer saiu de casa, depois soube pela minha mãe que ele havia apaixonado-se por outra mulher, dizem que os pais não se separam dos filhos , mas não foi o que se deu entre nós.

Toda essa situação culminou com o afastamento entre nós cada vez nos vínhamos menos. Até que um dia minha mãe resolveu ir embora e nos levaria a mim e a meu irmão, meu pai ficou sabendo, veio me buscar, enganou minha mãe dizendo que ia comprar sandálias novas para mim, desde aquele dia nunca mais a vi.

Não pensem que meu pai ficou comigo, me entregou a uma tia, que me criou como se eu tivesse sempre lhe devendo um favor.

O tempo passou muito rapidamente, quase não o via, mas sentia muitas saudades do tempo em que éramos felizes.

Até que um dia a triste noticia, meu pai estava morto, isso mesmo um ataque cardíaco fulminante teria sido a causa morte.

Passei a noite no velório que por incrível que pareça foi regado a chá e piadas, isso mesmo naquele povoado as pessoas velavam seus mortos na própria casa do defunto. E ficavam a noite toda contando histórias .

No velório aconteceram muitas coisas incomuns , o moço que chamamos para que cuidasse de enfeitar o caixão com flores, foi atropelado assim que saiu para sua casa quando acabou o trabalho de enfeitar o caixão, coitado ficou internado no hospital da cidade e nem pôde acompanhar o enterro.

Apareceram umas três namoradas chorando copiosas lágrimas, e por fim um menino de nove anos aproximadamente acompanhado pela avó que portava numa das mãos um registro onde constava que meu pai era o pai daquele menino, que só agora conhecíamos .

A viúva, atual esposa do meu pai, chorava tanto e nós não sabíamos se era por conta do falecimento do esposo ou pelas novidades que apareciam,resolvemos que devia tomar alguns tranquilizantes, ela repetia.

-Se seu pai não tivesse morrido, eu o teria matado hoje mesmo. Veja o que me fez. E chorava, chorava e chorava, não sabíamos o que fazer diante de tanta turbulência.

Contratamos dois ônibus para seguir o carro da funerária já que o cemitério ficava muito distante dali, quando entramos no ônibus minha filha pequena gritava.

Mãe o vovô quer ir conosco, mãe ele está pulando na cadeira do ônibus, está brincando comigo.

As pessoas nos olhavam perplexos, eu não sabia o que fazer, quanto mais mandava ela se calar, mas ela falava em alto e bom som.

-O vovô está aqui brincando comigo.

Desculpem pessoal ,é só uma criança ,por ser muito pequena não está entendendo nada do que está acontecendo, disse com voz meio acanhada.

Ainda tive que escutar o tempo todo, as reclamações da avó do garoto.

_ Não adianta, vocês vão ter que aceitar é irmão de vocês também.

Eu e meu irmão nada respondíamos.

Ela não parava de falar, de reclamar o tempo todo. Houve um momento que me irritei profundamente.

Quer que eu levante o morto do caixão para falar com a Senhora, chega minha senhora agora não é o momento para discutirmos respeite nossa dor.

Foi o suficiente para que ela se mantivesse calada por alguns minutos.

Vi o corpo de meu pai descer á sepultura com a certeza que não voltaria jamais, não seria um mergulho apenas, igual naquele dia que desapareceu na água e depois ressurgiu, era o Adeus para sempre, não contive as lágrimas simplesmente chorei.

Os dias passaram e recebo um telefonema era a esposa do meu pai, me chamou para dizer que havia encontrado uma caixinha nos pertences dele, e queria que eu visse.

Fui até lá e qual não foi a surpresa na caixinha estavam duas cópias uma do meu registro de nascimento e outra do meu irmão enroladas em forma de canudo e presas por uma fita vermelha, fotos nossas com ele, não consegui suportar a emoção , chorei compulsivamente.

Era o modo de nos ter por perto.

Fui a sepultura levar flores, fechei os olhos e orei, enquanto rezava pareceu que ele estava ao meu lado abri os olhos e o vi sorrindo como antes, me olhou e perguntou.

-Está chorando? Por quê?

Polly hundson

polly hundson
Enviado por polly hundson em 11/05/2014
Código do texto: T4802681
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