UNIVERSO PARALELO

Moça Linda, lembrava imagem de revista sofisticada, tipo Photo Magazine ou Vogue. Não descuidava de nenhum detalhe. Salão de Beleza, todas às sextas, com direito à pé e mão. Sempre bem vestida, adorava sandálias de tirinhas finas e salto alto, brincos e anéis combinando. Colares, tinha de todo tipo. Mas isto tudo era embalagem, daquelas de presente. O tipo de embalagem que você, por mais ansioso que esteja para ver o presente, não rasga de modo algum, pelo contrário: abre cuidadosa e carinhosamente, guardando o papel dobrado, as fitas e os laços. Uma mulher com seus 1,74 absurdamente bem distribuídos. Cabelos castanho-claro com alguma ondulação e uns cachos, como que estudados. Coisa de se passar a acreditar em Deus. Um rosto meio alongado, nariz fino e ólhos cor de mél puxando para o esverdeado, penetrantes, ternos mas, ao mesmo tempo, com uma tristeza imensa. Boca de lábios carnudos e quase sem batom. Ela não precisava de maquiagem nenhuma e mesmo assim fazia de forma a estar lá, não estando. Seios redondinhos e com bicos e auréolas de design. Algumas sardas no cólo, daquelas que aparecem sempre e fazem você se oferecer para contá-las. A barriga era de academia, como todo o corpo e tinha o umbigo mais redondinho e discreto que jamais se havia visto igual. Lá tinha um piercing, de ouro, que tinha três correntinhas que terminavam em três coraçõezinhos minúsculos, notáveis apenas muito de perto. Aquilo balançava pra lá e pra cá, no andar e no amar. Bunda de ganhar qualquer concurso e as coxas e pernas bem torneadas, sem exageros e uma manchinha na parte interna da coxa esquerda que fazia um desenho junto de uma dobrinha. Sexy. Calcanhares finos e pés lindos, que calçavam número 36. Cada dedinho merecia uma hora de massagem. Pele extraordináriamente bem tratada, hidratada e lisa, depilada sempre. Toda depilada, quase pornográficamente depilada. Só usava lingerie cara. Gastava uma fortuna nisso. As roupas, das melhores que o dinheiro podia comprar, sempre de desenho exclusivo. Advogada, pós-graduada e dona da Banca de Advocacia mais próspera da cidade, com muitos advogados empregados e alguns estagiários. A mulher mandava na região. Poderosa e inteligente, fazia questão de sempre tentar um acôrdo e, com meia hora de conversa e postura, derrubava qualquer argumento contrário. Só o cruzar e descruzar de suas pernas já era meio caminho andado. Sua mesa, é claro, tinha tampa de vidro e quando recebia clientes em potencial ou outros advogados, tirava tudo de cima. Sempre com decotes generosos, usava todos os truques possíveis para chamar a atenção para sí e acabava, sempre, liderando as reuniões ou trabalhos de equipe. Desfilava pelos corredores do Forúm e do Tribunal de modo a atrair e arrastar multidões. Dirigia uma BMW branca, impecável. Tinha um barco de 54 pés na Marina e uma ilha em Angra. Da conta bancária e das viagens ao exterior, nem vamos falar. Morava numa cobertura decorada pelo Arquiteto da moda e mandava fazer reformas e mudanças periódicas, dignas de ganhar prêmio. Frequentava os lugares badalados e sempre atraia os fotógrafos e jornalistas. Era assunto semanal. Óbviamente com a inteligência acima da média, lia livros de poesia e assistia a filmes de arte. Mas era triste. Uma tristeza da alma. Uma coisa profunda que lhe carcomia as entranhas desde a hora em que abria os ólhos até o fim do dia. Na casa dela não tinha nenhum ser vivo, planta ou animal, apenas a empregada e um mordomo metido a segurança e secretário particular. Um rapaz alegre e ao mesmo tempo desagradável. Uma alegria desmunhecada, se é que me entendem, desproporcionalmente mal educado, baixinho e feio. Esse era o universo de Lígia. Esquecemos de mencionar que gostava de fumar uns baseados vez por outra, principalmente em Angra. Sua tristeza profunda afastava amizades e pretendentes. Nem Bergman teria conseguido filmar isso. Ia fazer trinta e cinco anos. Não tinha família, nenhuma, nada. Havia passado por uma cirurgia, na Suiça, que a deixou mais que perfeita. Penetrável. Mesmo assim...não tinha útero e por mais que tentasse, não conseguia esconder seu pomo de adão.