Bastidores da velhice
Completei sessenta anos. Eles desabaram sobre mim, impiedosamente. Eu não quero suas marcas no meu corpo, porque as outras pessoas não as aceitam bem. Uma mulher como eu, outrora tão bonita, agora olhada com olhos que demonstram ou pena, ou desinteresse. Antes apreciada, elogiada, agora inútil...
Olho para meus seios caídos e me entristeço; olho meus quadris, minhas pernas, meus braços e, a tristeza aumenta ainda mais. Mas, é ao olhar para meu rosto que o desespero vem. Sei que é o natural da vida. Eu sei! Os mais jovens é que querem ignorar esse fato. Parece até, por vezes, que cometi um crime. E esse crime foi ter nascido há sessenta anos.
Então, eu paro diante do espelho e resisto à tentação de quebrá-lo para ter a ilusão de que esse rosto tão diferente cairá em pedaços junto com ele. Não, eu não posso fazer isso. Eu sei quem fui, quem sou; só não sei quem serei, mas vou continuar.
Em um processo de recuperação de mim mesma, eu me busco nos traços envelhecidos. Não é neles que me encontro, então vou mais fundo dentro de mim; vou buscar minha história. Criança? Eu já vivi esse tempo. Adolescente? Já fui uma também. Meu organismo me fez adulta, mulher feita, aos vinte anos. Me apaixonei, sofri, estudei, sorri, trabalhei... Tudo vivido em uma mistura e ao mesmo tempo. Adentrei a casa dos quarenta com segurança, filhos criados, lutando arduamente no dia a dia, mas feliz. Cinquenta anos: o posicionamento de quem atingiu plenamente a maturidade nas emoções e no conhecimento sobre a vida. Engano! A menopausa trouxe distúrbios emocionais resultantes de distúrbios hormonais e eu parecia uma fornalha na temperatura corporal e, uma faca afiada e cortante nas palavras. Luta novamente. Todos os dias, a superação que me era proporcionada por terapias hormonais e conversas francas com filhos e marido. Não foi fácil. Nunca entendi o porque de uma mulher ter que passar por isso na vida.
Isso vencido, fui avançando em idade até chegar ao aqui e agora.
Estou de volta. Se pelo menos eu tivesse meu marido... Ele, por certo, mais velho que eu, me ajudaria a me equilibrar sobre os saltos de agulha de outrora, com o carinho que um amante de uma vida inteira dispensaria à sua amada. Ele olharia para minha maquiagem suave, passada com cuidado para não marcar ainda mais minhas rugas e me diria que estou linda! Sim, aos seus olhos amorosos eu sempre estaria linda. Ele morreu há dois anos, me deixando sozinha para enfrentar o que chamam de "outono da vida", e o que eu chamo, realisticamente, de velhice mesmo.
É... Eu me encontrei na busca que estava fazendo. Me encontrei, continuo a me olhar no espelho e tomo uma decisão: quebro o espelho, deito em minha cama e choro. Amanhã eu levanto e continuo a jornada rumo aos setenta. Por ora, o choro derramado sobre a beleza derramada. Dizem que não se deve chorar pelo leite derramado, mas é preciso limpá-lo, não é?
A limpeza que me resta é a da alma, a do coração e a da mente. Mas... Amanha! Hoje não!