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O GAITA      
 
               O sol se pôs no horizonte e Zequinha se preparava pra mais uma noite de trabalho. Às vinte e duas horas era hora de render o colega na portaria do edifício onde trabalhava. O sorriso era a marca registrada desse trabalhador.  Os colegas o apelidaram de “Gaita”, por dois motivos: Tocava gaita (no Sul é o mesmo que sanfona) e vivia sorrindo. “Abrindo-se”.               Gaita chegava e já ia brincando com as pessoas e dizendo: “Chegou a alegria de vocês”. Alguns respondiam olhando para os lados: “Onde, que não estou vendo?”. Depois ele dizia com um sorriso aberto que estava feliz, e contava alguma coisa boa que havia acontecido. Mesmo que fosse um acontecimento bem pequeno, mas fazia questão de contar e dizer que estava feliz.  Alguns moradores o chamavam de “Feliz”, e ele gostava. Dizia que era melhor do que “zangado”.  Nunca ficava sozinho porque sua alegria era como um imã. Atraía residentes e visitantes. Sempre estava cercado por pessoas.  Não tinha instrução. Fazia questão de dizer que só havia mal concluído o curso Primário.
           
            Uma jornalista moradora do prédio sempre o olhava com admiração.  Dava pra ver que o rapaz era feliz e nunca mudava.  Na hora de falar sério, agia com bastante autoridade. Muito responsável naquilo que fazia. Propôs-lhe uma entrevista. Marcaram um dia que estava de folga. No endereço, no dia e hora marcada, lá estava o Gaita para a tal de entrevista. Colocou um terno e gravata. A moça começou as perguntas:
 
            - Sr José de Almeida é seu nome. É isso?
            - Sim, senhora.
            - Mas pode chamá-lo...
            - Zeca ou Gaita. Fique à vontade. -            Falou o porteiro tremendo de vergonha.
            - O senhor já pensou em estudar? – Perguntou a jovem.
            - Pensar, sim, mas sem condições. Preciso fazer os estudos básicos e depois entrar numa faculdade.
            - Mas...
            - E tem mais senhora. Ganho pouco. Brinco com meus colegas que como ganho pouco, mas como pouco também e vivo alegre...
            - Sei disso, Sr. Gaita. O senhor realmente é muito simpático.
            - Obrigado...

          
          O rapaz estava com um livro na mão, de Gabriel García Márquez. Isso chamou a atenção da entrevistadora. Viu que o marcador de páginas estava quase no final. Então resolveu testá-lo perguntando:
               - Pelo que vejo o senhor gosta de ler, né.
          - Isso mesmo. Sempre que tenho oportunidade. Alguns moradores me emprestam livros. Leio e os devolvo. Este por exemplo, é de um médico que mora no edifício onde trabalho.
          - Já leu quase todo, né. Sobre o que mesmo que trata o romance?
          - Difícil explicar em detalhes, mas vou tentar. Na pequena localidade de Macondo. Os fundadores da cidade são os da família Buendía. José Arcádio Buendía e Úrsula. Depois a história de desenrola, sempre com os herdeiros: filhos, netos, bisnetos...
          - Está bem. Já entendi, disse a jornalista surpresa.
 

     Após mais algumas perguntas, a profissional de jornalismo agradeceu. José estava bem mais à vontade. Ela guardou o rascunho e voltou para a redação. Ele foi para a casa. Disse que ia tomar uma espumosa porque já se sentia importante.
         
           Três meses se passaram. Um dia chuvoso Gaita recebeu a visita de dois homens. A princípio achou que eram vendedores. Quando chegaram pediram pelo senhor José de Almeida, conhecido por “Gaita”.
          - Sou eu mesmo. Sou da paz. – Disse o porteiro com as mãos levantadas em tom de brincadeira.
          Os visitantes falaram da entrevista que a colega deles fizera com o homem. Trouxeram-lhe uma proposta de trabalho e estudo. Davam-lhe o emprego e pagavam seus estudos. Ele não aceitou na hora. Mas depois de conversar com o síndico, este sugeriu que indicasse outro porteiro que fosse de confiança.

          
          Os homens voltaram duas semanas depois. Acabou aceitando a proposta.
          
          Gaita passou a trabalhar numa empresa de comunicação. Sempre se mostrava bastante responsável. Levava o trabalho muito a sério, mas nunca perdeu o dom do bom humor. Positivo no extremo. Muita fé em Deus e na vida. Um dos comediantes tirou férias. Pediram a ele que inventasse um papel para ele mesmo fazer. E o fez muito bem. Para sua sorte, o colega não retornou mais para a empresa, e ele passou a fazer definitivamente o papel do qual foi designado.
               A simpatia, o bom humor e a responsabilidade de Zeca, o famoso Gaita, fez com que ele estudasse e se tornasse um grande profissional do rádio e da televisão...
 
(Christiano Nunes)



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