Canção do Ócio

Olhava a noite enquanto seus cabelos eram balançados pelo vento; pensava vagarosamente no dia que havia passado e nos anteriores. Dali se tinha a visão do céu infinito pintado por alguns pontinhos que alguns ousam chamar de estrelas. Pra quem vive na cidade, elas são realmente meros pontos. Esse é um dos maus de se morar em uma região urbana, pensou consigo. Puxou um cigarro do bolso e começou a se indagar porque essa coisa, por falta de uma palavra melhor, horrível e que grande mal faz a saúde é reconfortante e poética? Pena que conforta momentaneamente; não existe remédio para as dores na alma.

O terceiro trago foi acompanhado de um suspiro. Lembrou que pensar dói. Não gostaria de ter constatado isso mentalmente a si. Levou novamente o tabaco a boca. Sentir o cheiro dele trazia um pouco de paz entre sua própria loucura e dava a impressão de que era um corpo quente em meio aquela madrugada fria. Melhor acreditar nisso do que ter recordações. Aquela não era boa hora, embora algumas lembranças terem motivado tal situação.

Sua visão tornou-se sem foco enquanto incansavelmente fumava e várias imagens mentais ininteligíveis passavam em sua psique. Esse bombardeio de figuras era vazio. Tudo era assim, por dentro e por fora. Respirou fortemente o odor do cigarro; a névoa produzida era a única coisa que disfarçava o oco de si e do mundo ao seu redor.

Após tanto ter admirado sua própria desgraça e ócio, o fumo chegou ao fim.

- Droga, disse, atendo-se a simplesmente a falar isto.

Desse pequeno momento de êxtase mascarado de tristeza sobraram apenas seus olhos sem vida, seu corpo morno e imóvel, a fumaça e o cheiro antes embriagante e agora insuportável que jaz no ambiente. Continuou lá, suspirando, observando as estrelas e inspirando sua desgraça e o perfume amargo da morte.