enfermeira

Apagada a luz da floresta, lembrava das vacinas que havia recebido antes de deitar nessa cama. Será que conhecia cada inseto? Aranha? Evitava pensar no serpentário sem portas. Tinha ouvido nomes repetidos, repetidas dores, as vozes ecoavam com um sotaque ao mesmo tempo melodioso e com palavras que tentava aproximar o sentido. Um dia com cara de uma semana. A semana um mês. A proporção das coisas e do tempo marcado no relógio quentíssimo do sol. Dormir, preciso. Sono impreciso, precioso para viagem no mata-sete. Matassete o mais temível pássaro desse lugar! Sonhei com o pão de meu pai, com o doce de minha mãe. Acordei dentro do Bimotor Beech 58 Baron; melhor trimotor, porque meu coração – na velocidade da máquina – vibrava. Tentei localizar do alto a minha casa, mas seria mais fácil se fosse uma casa na árvore. Ave, sou...Asas mecânicas. Ave Maria, rogai! O pouso leve, levou-me a urbe, uma cidade que estava-não-estava pronta pra desbravar...Jacareacanga é um município brasileiro do estado do Pará. Localiza-se a uma latitude 06º13'20" sul e a uma longitude 57º45'10" oeste, estando a uma altitude de setenta metros. Possui uma área de 5 353 159 km². E tem banheiro: privada e chuveiro! Privacidade para me ensaboar e lavar meus pés, longe dos igarapés, com sabonete aroma artificial. O som de carros e motos, mesmo pouco, me civilizava os ouvidos para atravessar a rua em que comprei, a pedido, ovos, ovos, ovos, ovos, ovos, ovos, ovos, ovos. A cidade são os olhos e a boca, mais que a arquitetura que logo se reconhece por ver e vivenciar ou por falar descritivamente. Enlaço meu olhar discreto nesse urbano-tribal. Veracidade dos olhares. Ferocidade dos olhares. Mansidade dos olhares. Opacidade dos olhares. Mocidade dos olhares. Eticidade dos olhares. Laicidade dos olhares. Unicidade dos olhares. Audacidade dos falares. Logicidade dos falares. Modicidade dos falares. Tipicidade dos falares. Cronicidade crônica da cidade. Dupla cidade uma dentro de mim outra fora. A cidade do interior tem muito mais água do que a cidade exterior. É água salgada. Estou em casa, casa-barco; cama-rede; escuro-barulho em vários tons; barcanoa balança; redeninho balança. Faço um balanço dos dias entre céu e águas. Resta flor, flor resta, floresta amazônica e eu – com coragem de uma Amazônia – penso em antibióticos e soros e oro para o boto-cor-de-rosa parar seu convite insistente para comigo namorar, ou para transformar-me em sereia ou para em homem mutar-se, antes de anoitecer-me e tecer cada nuance dos pretos noturnos em pano de fundo do sono, novamente, entre medicinas e aventuras. “Um dia ainda eu hei de morar nas terras do Sem-fim./Vou andando caminhando caminhando. /Me misturo no ventre do mato mordendo raízes.”

adriano chagas
Enviado por adriano chagas em 02/05/2014
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