Do meu blog "Histórias"
Apresento o conto
O Aniversário
Sentou-se na varanda de manhã bem cedo - nem bem raiara o dia. Aspirou os doces perfumes do ar gelado, aconchegando-se à manta que a envolvia. Aquele seria mais um aniversário - o segundo - no qual a aniversariante não estaria presente.
Sentou-se na varanda de manhã bem cedo - nem bem raiara o dia. Aspirou os doces perfumes do ar gelado, aconchegando-se à manta que a envolvia. Aquele seria mais um aniversário - o segundo - no qual a aniversariante não estaria presente.
Ela pensou em outros aniversários, nos quais a família reunida e alguns amigos mais próximos cantaram o bom e velho "Parabéns a você", esquecendo-se de que o tempo não perdoa a efemeridade dos momentos. A vida é tão frágil quanto a chama das velas que são sopradas a cada ano, e quanto mais velas há sobre o bolo, menos anos de vida nos aguardam.
Lembrou-se das caixas de presentes coloridas sobre a cama, e o quanto a aniversariante gostava de experimentar tudo o que ganhava de presente: roupas, sapatos, cachecóis, bolsas. Ela vestia tudo, tentando fazer combinações com as peças antigas que já estavam no armário, combinando cores e padrões e tecendo comentários sobre onde e quando poderia usar cada traje. As filhas ficavam em volta, dando opiniões.
Mas não naquele Primeiro de Maio; não haveria reunião. Não haveria bolo, nem festa. Por que as pessoas tem sempre a mania de não mais festejar os aniversários de quem já morreu? Se acreditamos na vida que continua, e se há tantas lembranças boas, não seria esta uma maneira de manter acesa a lembrança dos que se foram? Sem contar que também poderia ser um pretexto para reunir a família! Imaginem: toda a família reunida na sala, comemorando, olhando fotos antigas, recordando velhas histórias... seria como se a pessoa que se foi estivesse novamente ali. Poderia ser um momento alegre.
Mas não; as pessoas gostam de colocar um diadema negro sobre todas as ausências. A morte é o maior tabu, O Intocado, o evento que todos fazem questão de cobrir com uma densa camada de silêncio. Precisamos, desesperadamente, esquecermos das velinhas que todo ano colocamos sobre os nossos bolos.
Ela suspirou fundo; olhou para cima, e viu que um pássaro havia pousado na ponta mais alta do pinheiro, balançando-se no ar, agitando as asas sobre a fragilidade das coisas. Tudo é como sempre foi, e sempre será. Mesmo assim, tudo muda.