A CONTADORA DE HISTÓRIAS
Marcela conta histórias. Sempre gostou de contar histórias. Desde os tempos de escola. Ela ouvia ou lia os contos e imediatamente os recontava aos seus colegas, ou, em casa, aos irmãos ou à mãe. Ao pai, não, que este passava o dia trabalhando e quando chegava em casa, só tinha disposição para ver a tv e dormir escarrapachado no sofá da sala.
A mãe, entretanto, era sua ouvinte especial. Além de prestar atenção às histórias que Marcela trazia na cabeça, incitava-a a criar outras.
— Marcela, e se Branca de Neve não tivesse comido a maçã com veneno, como seria?
Ou:
— Imagine que Robin Hood fosse preso e condenado por suas bandoleiragens?
Ou ainda:
— Já pensou como seria diferente se a Princesa Xerazade não tivesse se casado com Xariar e iniciado a narração das mil e uma noites?
Marcela cresceu com a cabeça no mundo da fantasia. Adorava contar, recontar, criar novas situações para as personagens conhecidas, e, mesmo, inventar outras histórias, outros heróis e vilões. Por isso, é natural que suas aulas sejam as mais interessantes e seus alunos, os que melhor aproveitamento têm, na Escola Municipal Dr. Epaminondas Chagas. A professora Marcela Teixeira Campos ilustra suas aulas com histórias maravilhosas, além de ensinar aos seus pupilos a arte de contar histórias. Fez curso de contação de histórias e nos fins de semana participa de grupos que saem pela periferia da cidade, contando histórias em praças, palcos, igrejas, onde quer que se reúnam pessoas que queiram ouvir histórias bem contadas.
Seu entusiasmo é tanto com sua atividade, que chegou a fazer um guarda-roupas, uma coleção de fantasias e vestes características, que usa quando conta suas histórias.
Seus alunos a adoram. Gostam de suas aulas, às quais comparece vestida ora de fada, ora de bruxa, ou de Emília, de Chapeuzinho Vermelho e dezenas de gente famosa do reino do faz-de-conta. Leva consigo uma parafernália de animação, que vai desde fósforos de cor até pirulitos mágicos, de tapete voador a caldeirão de fazer poções misteriosas.
As conseqüências dessa sua animação são imprevisíveis. É ela mesma quem conta algumas situações interessantes pelas quais passou — e continua passando — , relacionadas com a dramatização que faz quando conta histórias.
— Foi numa semana em que contei uma história de arrepiar os cabelos: a bruxa aprontava confusões numa seqüência assustadora. Para enfatizar o enredo, eu mesmo me vesti de bruxa, e fiquei como uma louca no pequeno palco. As crianças, de olhos arregalados, não perdiam um movimento da bruxa. Claro que elas não sabiam que a bruxa era sua própria professora, numa performance aterradora. Todas, menos o Carlinhos. Garoto esperto, conseguiu esgueirar-se para trás da cortina e observou quando, terminada a ação, eu tirei a máscara, o chapéu preto em forma de cone e a capa negra que inspirava tanto terror.
A contação da história foi numa sexta-feira (dia propício para uma narração de terror). No domingo, como sou católica praticante, fui à missa e, por coincidência, sentei-me ao lado de Carlinhos e sua mãe. Saí do banco e fui receber a Comunhão. Quando voltei, ajoelhada, ouvi quando o garoto cochichou (num cochicho escandalizado e audível em toda nossa vizinhança):
— Mãe, a bruxa comungou !
Em outra ocasião, contei uma história de mágico e mágicas. Levei diversos objetos para fazer as mágicas simples. Entre as diversas mágicas, a final, apoteótica, era a transformação de pedrinhas em pirulitos. Mágica que havia aprendido semanas anteriores com meu amigo David Coper Filho (nome de fantasia, claro). Para essa mágica, levei os pirulitos, as pedrinhas, a cestinha na qual as pedrinhas seriam transformadas em pirulitos e um recipiente com açúcar refinado, para aspergir sobre os pirulitos, a parte final, mais importante, o clímax do espetáculo.
Tudo aconteceu dentro do planejado: a história, a encenação, a mágica final.
=Pedras e pedrinhas e pedradas. Em pirulitos sejam transformadas !
Distribuídos os pirulitos entre a garotada, para provarem a eficácia da mágica, um deles saiu-se com essa:
— Legal! Essa mágica é poderosa mesmo! Imagine que meu pirulito ficou até salgado!
Na pressa de pegar o material em casa, havia enchido o recipiente de açúcar refinado com sal de cozinha.
E tem esta outra que me deixou emocionada:
Kátia é uma garotinha de 5 anos, esperta e que presta muita atenção às histórias. Uma noite dessas, sua mãe, dona Marina, me telefona:
— Marcela, a Kátia não quer dormir. Já é muito tarde e não pega no sono, tá acesa. Agora, pediu para ouvir uma historia “daquelas que só você sabe contar”. Quem sabe se você conta uma historia, bem curtinha, pelo telefone, pra ela dormir ?
Concordei e pedi à mãe de Kátia lhe desse o telefone, que eu contaria, sim, uma história. Não demorou nem dois minutos (e a história estava ainda em andamento) quando ouvi a voz de Dona Marina, num cochicho:
— Obrigado, Marcela. A Kátia já dormiu. Boa noite.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte – 13 de agosto de 2002
CONTO # 172 DA SÉRIE MILISTÓRIAS