O Lérias 2ª parte
No outro dia tinha o quintal todo cavado e fui dar a novidade ao teu pai que a rir me disse: - Vê lá tu, conseguiste ter o quintal cavado por meia dúzias de moedas falsas.
- Mas isso, ela não sabe, mas giro, giro, vai ser quando for ao banco.
Pela tardinha, entrou toda esbaforida pela taberna dentro aos berros e virando-se para mim, dedo em riste vociferou. – Malandro, hás-de pagar-mas. Ou aqui ó no inferno, seu filho dum bode velho.
Entretanto lá fora a rapaziada que já sabia do que tinha acontecido gritava.
Olha a Júlia desonesta.
Que a tanto se abalançou.
Na procura do tesouro.
O quintal do Lérias cavou.
Aurora com os olhos rasos de água de tanto rir, ainda conseguiu forças para perguntar! – E ao meu pai, ela não ficou com raiva?
- Não rapariga, pois quem ficou com o quintal cavado fui eu e além disso ela precisava de se aviar de mercearia fiada.
Um cheirinho emanava da cozinha da taberna. Aurora fritava umas bifanas temperadas de véspera, para o petisco antes do almoço, quando o Lérias rompe por ali dentro com um papo-seco aberto ao meio e diz:
- Com licença rapariga, deixa-me encher o pão com este cheirinho. - E passava o pão por cima da frigideira absorvendo os vapores da fritura. A moça ria com tudo isto, enquanto se dirigia para o balcão aviar o meio copito da praxe. Estas cenas apesar de frequentes não caíam na monotonia, pois eram variadas as brincadeiras do ti Lérias. Quando o Lerias se atrasava na sua visita matinal, logo a rapariga preocupada ia à tamancaria saber como ele estava, tal era o carinho entre os dois. Com a história dos meios copitos, o Lérias bebia um bocado. Aurora preocupada com isso, arranjava-lhe sempre uma bucha, às escondidas do pai, evitando assim que bebesse sem nada no estômago.
Um dia, o Lérias adoeceu e foi internado no hospital local. Na primeira visita, com a Aurora a capitanear clientes e amigos, dirigiram-se ao 1º piso. Ao verem a quantidade de enfermarias, naquele corredor comprido, umas a dizer interdito a visitas, outras de portas fechadas, ficaram sem saber aonde se dirigir.
- Então Aurora, aonde é que o homem está?
Sem saber a resposta, Aurora já se dirigia para o rés-do-chão. Quando se ouve uma gargalhada aguda, um timbre conhecido de todos.
- É naquela enfermaria que ele está. - Diz alguém das visitas.
Após os cumprimentos Aurora não se conteve e perguntou.
- Então ti Lérias, está sem dinheiro? – Numa alusão familiar de quando estava sem cheta, o Lérias soltava aquele grito de alma, como forma de disfarçar a penúria. O rosto do Lérias iluminou-se com um largo sorriso.
- Não filha, não é nada disso. Foi o servente que tropeçou e caiu com as fuças na arrastadeira do companheiro aqui do lado e como nós só nos rimos do mal, não resisti a uma boa gargalhada.
O Lerias não regressou do hospital, morrendo após três meses de internamento. O enfermeiro Romão contou mais tarde à chorosa Aurora que o ultimo suspiro do Lérias tinha sido uma gargalhada. O seu grito de guerra, que até na hora da morte servia para esconder a sua adversidade.