PÚBLICO E NOTÓRIO

Nosso jornal não é uma exceção.

O que disse?

Não somos extremistas!

Mas nós somos humanos, ou não?!

Sim, claro, aonde quer chegar?

Olha, não tenho sangue de barata...

barata tem sangue? (rindo um riso nervoso)...

então, é que nesse caso, a raiva me fez pensar besteira...

Mas a besteira do Álvaro já estava feita. Espalhada pelas bancas da região. Que pensa fazer, perguntou, já sabendo a resposta. A primeira coisa é demitir você, depois vejo se salvo alguma coisa.

Desde o começo sabíamos que haveria linchamento, e mais, todos sabemos que tem mandante. Então?! Qual o problema? Se eu tivesse um só! Bom, na verdade tenho um a menos, pois como disse... você está despedido. E vê se vai logo, senão os linchados seremos nós... vai, vai, depois te mando um dinheiro. Separaram-se.

O dia já ia nascendo e Álvaro sumiu na neblina. Logo alguns capangas, misturados à multidão insuflada, estariam à porta. Gerson tinha a esperança, de que com Álvaro longe, as modéstas instalações de seu jornal seriam poupadas. Não Foram. Se é que uma coisa destas serve de consolo, além do jornal, depredaram vários prédios públicos (mais tarde soube-se que foram onze, no total). Os prejuízos montam à casa dos milhões, por conta de uma revolta de proporções inimagináveis, que se instalou aos poucos, de boca em boca. Cada dia que passava, amanhecia mais gente na frente do Forum, da Delegacia e da Prefeitura. A Igreja Matriz já estava tão cheia que tinha gente apenas ouvindo a missa pelos altofalantes do Coreto. Muita gente.

O pai da moça, àquela a quem fizeram mal, era político importante, o tio outro. O bando que fizera aquilo, de passagem, nem era da região. Não iam fazer falta a ninguém. Banalização da violência, diriam especialistas (se fossem consultados), revolta, ódio puro, disseram as testemunhas. Pouco antes de cortarem o cabo telefônico, o Delegado conseguiu pedir reforços. Estava acuado, com dois soldados da PM, um carcereiro, seis armas, pouca munição, um bêbado e quatro bandidos da Capital. Tinham ido fazer um assalto e, na fuga, estupraram a refém. Um de cada vez, com requintes de crueldade. As coisas têm prazo, caramba, tem que ouvir os depoimentos (e com o escrivão de férias, mal tinha começado), concluir o inquérito, esperar o Promotor oferecer a Denuncia, enfim, esperar meses até que o Juiz desse a Sentença. Isso não ia dar certo, pensou, e como já sabemos, pediu reforços. O reforço até veio, mas já encontrou tudo em ruínas. Prenderam vinte e cinco pessoas, indiciaram doze que respondem em liberdade, mesmo porque, não tinha aonde prender. Agora a cidade vai ficar famosa, agora vai... esquecendo-se de que até 1938 toda a região, não só a cidade, tinha de lidar com o flagelo do Lampião.

Depois da depredação o Padre pensou cautelosamente: as pessoas estão se acostumando com essa sucessão de crimes, um mais violento que o outro. Será que não estão vendo? A questão é social, isso não pode continuar... quando, num estalo, mudou de direção e acelerou o passo. Ouvira dois tiros.

Assim que chegou na Sacristia, deu de cara com o Gerson, cabisbaixo, os braços pendurados tal e qual de chumbo fossem, um revólver 38 no chão e, quando adentrou, reparou nos córpos. Um de cada lado. Ao ver o padre, Gerson correu e em minutos o lugar estava cheio de gente, que viu o padre ser levado preso pois fora encontrado agachado, entre os córpos do pai e do tio da coitada, com a arma na mão.

Álvaro e Gerson nunca mais se viram. Sabe-se que ambos foram para o sul.