Expurgo

Edgard era inofensivo. Sofreu Bullying na escola desde o pré-primario. Não tinha nenhum tipo de ambição ou futuro. Sabia pouco ou quase nada sobre qualquer coisa. Um verdadeiro idiota. Teve só duas mulheres na vida. Uma ele pagou e outra estava bêbada o suficiente para não perceber que ele tinha broxado. Nunca começou ou terminou nada. O auge da sua vida foi ser rodie do Dorsal Atlântica no Monster of Rock de 97. Achava que o Roberto Carlos não era o rei do Brasil. Sua rotina variava entre beber em casa, ou beber no bar. Ele era um fardo para si mesmo.

Quando falava ninguém escutava. O voto dele jamais mudaria uma eleição. A última vez que andou de carro foi numa viatura policial. Só não ficou preso porque não tinha lugar para ele nem na cadeia. Sente saudades dos tempos em que não apanhava da polícia só porque estava bêbado e fedendo. Esperou Coelhinho da Páscoa, Papai Noel, políticos. Nenhum deles veio. Se Edgard fosse um animal seria excluído em nome da sobrevivência do bando. Sua casa parecia um chiqueiro. Tinha de tudo no chão e praticamente nada nos armários. Dormia como um nóia, num colchonete jogado num canto. Um dia Edgard matou um cara com uma facada, lá no Viaduto do Chá. Queria ver a morte. Só viu um estranho engasgar sangue por dez minutos antes de apagar.

Na rua o apelido dele era Asqueroso. Não tomava banho. Não tinha muitos dentes para escovar. Não limpava a bunda. Não era nem um pouco limpinho. Edgard tinha birruga e pereba. Era nojento. Era careca. Já tinha dado o rabo. Para ele não fazia diferença, caro ou barato, noite ou dia. Tudo era igual. Meio cinza. Nunca teve carteira assinada. Nunca teve carteira. Trabalhou na estiva. Trabalhou em obra. Trabalhou sempre pensando em não trabalhar nunca mais. Pegou latinha. Pediu na rua. Fez malabarismo. Sobreviveu aos 27.

Em toda sua existência em nenhum momento cogitou a hipótese de fazer diferente. Nem de fazer. Então nada aconteceu. O tempo passou. A tremedeira aumentou. Nem Jesus nem o Diabo ajudaram ele. Edgard apanhava da vida todo dia. Teve que encarar tudo sozinho. Sol e chuva. Com a cara inchada e sem coragem. Não muda nada. Nem fica igual. Também não desaparece. Fica lá. Fedendo. Chafurdando. Gostava de beber. Qualquer coisa. Edgard não era exceção, nem a regra, nem o desvio. Não era feliz, nem triste. Gostava de Bukowski mas não fazia questão de ler.

As vezes ele costumava andar perambulando pelas ruas sem direção. Jamais se teve notícia de que Edgard deu algum problema em algum lugar. Ninguém sabia muito sobre ele. Edgard não acredita quando alguém diz que não sabe de nada. As vezes ele chora sem motivo. As vezes ele ri sem motivo. Lamentava as injustiças do mundo. Não comemorou quando a Seleção Brasileira ganhou o tetra e o penta. Nunca viu a Nadia Comaneci tirando o único 10 da história da ginastica olímpica.

Nem sempre Edgard comia. Tinha o corpo magro, seco, raquítico. Não ficava doente pois não sobreviveria. Era contra a legalização das drogas. Para ele depressão era frescura. Psicologo era só um padre que não acreditava em Deus. A televisão roubava o tempo das pessoas. Não assistia novelas, nem filmes, nem jornal. Confundia Monet e Manet. Edgard não conseguia se lembrar de ter uma família. Estava em casa, bebendo, olhando para a parede. Quando percebeu que estava pensando se levantou e foi dormir.