De Onde Menos Se Espera...


Nasceu descansado. Era o que se dizia na vila. Desde menino com uma preguiça doentia. Mesmo para os brinquedos não muito ligava. Sempre havia para ele uma sombra, uma rede, um lugar para o encosto. E não havia chinelo, cinta ou ralha que o fizesse despertar da manha eterna.

- Nunca vai virar gente, menino. Vê se trabalha, vê se estuda, vê se faz algo que preste na vida.

Ele, indiferente dentro de um sono recorrente, não se importava. Vivia no sossego, na paz soturna das sombras. Dormia de dia, dormia de noite. Comia e lá ia para os cantos e recantos isolados. Gostava de pescar. Deixava a minhoca no descanso na ponta da vara e se apagava em um longo sonho. Não se sabe como às vezes trazia um lambari ou outro.

- E não é que o moleque pescou? Pescar ele pescava, mas não havia jeito de pegar na enxada.

Os irmãos em protesto ralhavam:

- Por que só a gente trabalha? O pai, cansado de tanto bater e zangar, afirmava vencido:

- Não tem jeito, nasceu torto o desgraçado. Pau que assim cresce não se arruma. Não se inquietem, não se esmoreçam, cada qual terá da vida o que plantar. Ele não planta, não colhe. Quando crescer terá que se virar ou vai morrer.

E ele foi crescendo. Não se sabe como, na escola, aprendeu o suficiente para ler, somar, subtrair e assinar o nome. Ninguém mais o queria na casa, na família, na vila. Um dia cedo, quando o sol castigava a terra seca e fazia os calangos brincarem de tanta alegria, arrumou a trouxa com o que podia. Levou farinha e rapadura. Beijou a mãe e pediu benção ao pai. Lançou um olhar morno aos irmãos.

- Vou para o Sul. Partiu deixando atrás um rastro de poeira.

Os pais morreram sem nunca mais ter notícia do indolente. Os irmãos cresceram e com a mesma dificuldade e lutas que sempre tiveram, criaram os filhos. A miséria ficou de herança.

Certa noite, véspera de Natal. Na porta da antiga casa, habitada por dois deles com suas famílias numerosas. O farol de um carro iluminou a entrada.

- Quem será? Gente perdida da cidade por aqui? Fora de rota. Muito fora de rota.

Um sujeito alto, magro e com chapéu de fazendeiro adentrou sem pedir licença. Ofuscado pela luz, depois de um tempo viram o irmão preguiçoso. Garboso, em trajes de gente rica. Sapato lustroso. Baixou a cabeça e cumprimentou a todos:

- E pai? E mãe? Os outros negaram com a cabeça. Ele saiu e voltou do carro cheio de pacotes. Deixou-os no chão a um canto e partiu em um rastro de poeira noturna.