Sem chapéu

O mais evidente na imagem de Alberto Holtz é seu chapéu. A marca insigne de sua personalidade austera. Dificilmente ele se apresentava ao local de trabalho sem a boina cinzenta, e vestia o chapéu coco com raridade. Ainda mais improvável era vê-lo com a cartola, mas nenhum colega jamais o encontrara sem chapéu.

Vestia-se em tons de sépia, relógio clássico e colete. Alto, ombros largos e braços fortes, o gerente da construtora tinha cabelos loiros muito claros, pele muito branca e o rosto frequentemente corado. Os olhos azuis muito escuros, profundos e mansos como os de um coelho.

Apesar de sua aparência exótica, ninguém podia dizer que era bonito. Tampouco carismático. Muito calado, ria com timidez e evitava se alongar até mesmo nas conversas com a família, que encontrava poucas vezes no ano.

Os Holtz vieram ao Brasil para fugir da miséria do pós-guerra alemão. Estabeleceram-se na zona rural de São Paulo, onde vivem dignamente desde então. A região foi tomada pela cidade, mas ainda é um local pacato. Alberto foi tentar a sorte em um lugar mais rico de oportunidades, bem longe da empresa frigorífica dos pais, onde seus irmãos fizeram carreira.

Quando Alberto percebe que uma mulher está atraída por sua sobriedade, convida-a para sair. Troca carícias, mas não vai para a cama. Quando sente a falta de sexo, prefere pagar. Não se entende sujo por isso. É honesto, racional, mas nada espirituoso. Diz para os amigos e parentes que constituir família é uma possibilidade, mas não faz planos.

Alberto vive sua vida. Alberto Holtz, de chapéu, impecável. Não gosta de fofocas nem bebidas fracas. À noite, fecha a janela e tranca a porta. Despe-se então do chapéu e, num ritual solene, deixa escorrer o longo cabelo numa chuva de ouro enluarado.

Com serenidade, nu da sépia e da masculinidade obrigatória, Alberto inunda o quarto em penumbra com o brilho de seu cabelo liso. Uma única lanterna diante do espelho é suficiente para se dedicar com destreza ao seu maior tesouro. Senta-se diante da penteadeira, pega a chave atrás do espelho e abre a gaveta com a coleção de escovas. Escolhe uma e começa a trabalhar, como um violinista abnegado, escovando os longos cabelos e tratando-os com cremes naturais. O que é sagrado rejeita a química.

Nos sábados, ele sai de casa com chapéu e mala. Pega um táxi até o centro, entra num quarto de hotel e se transforma. Entra Alberto Holtz.

Sai Ella. Vestido vermelho brilhante, não tão longo nem tão curto. O rosto e as pernas, nuas de pelos, macios como seda. Ella é vaidosa e gosta de cuidar da pele. Salto alto, maquiada numa intensidade saudável, unhas feitas e pintadas, batom vinho nos lábios. Vai ser mulher por uma noite, sua verdadeira vocação. Encontra as amigas, bebe e dança, canta, flerta, volta para o hotel de madrugada e dorme feliz.

Dorme até tarde no domingo, morrendo lentamente durante a manhã. Renasce Alberto Holtz, de tardinha, na hora de voltar para casa, com mala e de taxi.

Na porta de casa, dá o suspiro semanal, entra e guarda a mala. Bebe um copo cheio de água e vai escovar os seus chapéus.

Gabriel Aquino
Enviado por Gabriel Aquino em 18/04/2014
Reeditado em 21/05/2015
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