A ENTREVISTA

Transcrição de entrevista de Antonio Roque Gobbo no programa “Etc. e Tal”, Na TV Metrópole de Belo Horizonte, em 13.3.2002

Entrevistadora: Adriana Bagno

Adriana Bagno: Gente, hoje vamos ter o prazer de entrevistar o aposentado sr. Antonio

Roque Gobbo, que de aposentado não tem nada. Largou suas atividades para se tornar um escritor, depois dos sessenta anos. Ele vai contar pra gente um pouco de sua história e o que o levou a tomar coragem e escrever livros após 60 anos.

Antonio Roque Gobbo – O prazer é todo meu.

AB – Olha só, gente, que bacana. O Sr. Antonio descobriu sua alma, sua veia de escritor logo depois de se aposentar, com pouco mais de sessenta nos. Na verdade, essa descoberta já devia ter acontecido mais cedo, não é verdade? Esse dom, essa vontade de escrever, já existia? Fala a verdade, seu Antonio.

ARG – Realmente, escrever pra mim sempre foi assim como um ponto de desABafar, de amenizar as tensões. Mas nunca de forma profissional. Sempre escrevendo diário, trABalhos para jornais escolares. Depois, com a minha vida profissional eu tive que deixar de lado isso, que, aliás, nunca foi meu ponto forte. Depois que me aposentei, comecei a procurar coisas para fazer, para distrair, para não me enferrujar. Fiz um pouco de pintura, fiz alguns cursos, até que finalmente eu fiz um curso destinado a pré-vestibulandos, destinado à produção de textos. E nesse curso, curto, de 15 dias, veio à tona essa possibilidade, essa capacidade de escrever. E essa revelação foi excelente, porque chegou numa época em que me sinto maduro para produzir coisas do intelecto mesmo. Pra mim está sendo ótimo, não só como realização artística, mas também uma maneira de começar alguma coisa, quando meus contemporâneos estão naquela de querer ficar assentadinhos, de chinelos, lendo o jornalzinho todo o dia. Então, comecei uma vida nova aos 66 anos.

AB – E está certíssimo. 66 anos com a carinha de 20 anos mais novo, sem nenhuma ruga pra contar a história.

ARG – (risadas) Muito obrigado: você quer meus óculos emprestados?

AB – Não! Tá todo mundo aí vendo que não estou mentindo. Mas o estado de espírito da gente contribui bastante, não é mesmo?

ARG – Certamente. Minha maneira de encarar a vida sempre foi positiva, sempre encarando com boa vontade e buscando me harmonizar com tudo. O meu ponto focal na vida é harmonia. E de maneira que tenho atravessa períodos difíceis na vida, mas sempre tentando superar da melhor forma possível, sabendo que qualquer dificuldade,qualquer problema, acontece para nosso crescimento. Nada acontece de graça, não existem coincidências. Tudo o que acontece e pra que a gente possa elaborar da melhor forma possível, com a capacidade que a gente tiver ou às vezes, até procurando ajuda, o que é muito válido. E com isso cheguei – estou chegando – na minha vida, com bom humor, com muita vontade de produzir, ainda vou produzir até o último dia de minha vida.

AB – Meu Deus, que beleza!

ARG – Sim1 Tenho um plano que eu vou te contar e que você vai ver que coisa maravilhosa!

AB – Você vai me contar tudinho aqui e agora. Gente, deixa eu mostrar aqui o livro do sr. Antonio Roque Gobbo – A Loucura do Cristal (exibe o livro pra um close). É um livro de contos, são 25 contos reunidos.

ARG – Aí estão 25 contos, são meus 25 contos iniciais, uma seleção dentre os 50 que escrevi até a edição desse livro. Eu fiz uma seleção de 25 e coloquei nesse livro.

AB – E deve ser difícil selecionar os 25!

ARG – É difícil, sim. Porque o trabalho (literário) é como uma produção de uma família, como os filhos. Então entre os 50 filhos que tenho aí “agora vai colocar o que você gosta mais”. Não existe isto! (Risadas).

AB – Bom, dá pra gente sentir que o senhor mistura causos, história de pescadores...O senhor gosta de pescar?Aliás,essas conversas de pescadores dão muito o que escrever, não é?

ARG – Rende muito (risadas), rende muito. Olha, eu gosto de pescar, gosto de freqüentar todos os ambientes, todos os amigos, realmente, pra trocar esse tipo de informação, sABe? Contar as coisas, os causos, a gente dá e também recebe informações.

AB – Claro, essa é uma fonte inesgotável.

ARG – Então, eu gosto de...Os meus contos são... Eu costumo dizer que escrevo de pés no chão. Até os assuntos mais...mais clássicos, vamos dizer, eu gosto de trazer e fazer uma adaptação para a modernidade, pra os nossos dias. Numa linguagem também muito acessível, que qualquer pessoa entende.

AB – Bem coloquial.

ARG – Bem coloquial, sim. Acontece que eu gosto também de tratar de assuntos clássicos. Por exemplo, tenho um conto do Cavalo de Tróia, da Guerra de Tróia...

AB – É mesmo?

ARG - ...em que dou uma explicação de como o Cavalo de Tróia foi idealizado. Mas tudo isso sob o ponto de vista bem humano, bem do povo, mesmo. Como é que o Cavalo de Tróia foi introduzido...uma versão minha, naturalmente. Gosto de trabalhar fatos da atualidade, esses acontecimentos mais importantes ou mesmo esses crimes, essas coisas que estão acontecendo hoje. Isto aí faz parte – eu acredito – de que todo escritor tem a responsabilidade de retratar, da sua maneira –todo escritor, poeta – registrar para a posteridade. Então eu escrevo alguns contos sobre o que está acontecendo. Além dos causos, tem muita coisa da minha infância, de minha vida. Os meus contos são para adultos, mas que têm criança – e essa criança sou eu.

AB – Eu costumo dizer sempre que a criança que tá dentro da gente não morre nunca.

ARG – De jeito nenhum! E quanto mais a gente acarinha essa criança, melhor é pra gente (risadas).

AB – Bacana! Também acho, concordo plenamente. O senhor está escrevendo outro livro? Este aqui foi lançado quando?

ARG – Este foi lançado em agosto do ano passado. Este, eu mesmo lancei, não encontrei editora, foi uma produção independente. E agora estou colocando no mercado. Devagarinho, a gente tá vendendo e está tendo uma saída boa. Agora, eu escrevo todos os dias. Todos os dias eu escrevo...

AB – Me disseram uma vez que escrever é uma disciplina...

ARG – É uma disciplina...

AB - ... que você tem que ir pra frete do computador e dedicar ali meia hora, uma hora do seu dia pra escrever, não importa que escreva nenhuma linha, que escreva alguma bobagem, o importante é escrever.

ARG – Exatamente. E não só com relação a esse aspecto de disciplina. A gente fica então disciplinado também com relação a horários, a produção. A gente pode até assumir compromissos. Como também a intuição, a inspiração vêm, ocorre, porque realmente o cérebro, os neurônios, são incentivados a produzir. A imaginação é um a coisa impressionante. Porque quando a gente entra no mundo da imaginação, é uma coisa maravilhosa, porque ocorrem mil e uma formas de inspiração, idéias, personagens. É maravilhoso! Tanto que sou atropelado pela minha inspiração, pela minha imaginação, porque eu não consigo escrever tudo o que me vem pela cabeça...

AB – Não dá tempo? Que tá processando...?

ARG – Não dá tempo. Exatamente. Então eu tenho um arquivo de idéias. Eu registro, eu faço um rascunho de cada idéia, pra não me perder, não é? E de vez em quando eu vou la no meu fichário e escolho um. Então tá na hora de escrever esta história aqui, completei os dados. Enquanto isso a cabeça tá funcionando, tá processando.

AB – Gente, que bacana!

ARG – É impressionante como a gente motivando os neurônios, eles correspondem a esse incentivo.É uma questão de exercício mesmo.

AB – É verdade.

ARG – Já disse um inventor que toda invenção, toda inspiração, todo produto cerebral vem de 95% de suor e 5% de inspiração.

AB – Cinco por cento de inspiração e noventa e cinco por cento de transpiração. Agora, o senhor tem algum autor com quem se identifique, até mesmo um mestre, ou alguém que de certa forma, que lhe inspire?

ARG – Sim, sim. Monteiro Lobato...

AB – Ah, que gracinha...!

ARG – Monteiro Lobato: desde a minha infância eu leio Monteiro Lobato, venho lendo pela vida afora. Acho que no Brasil ele é um escritor muito terra-a-terra. Além de escritor, ele foi muito ligado na parte de editoração, criou empresa de reflorestamento para transformar a floresta, a madeira, em papel para fazer livros.

AB – Que coisa! Um homem de visão, não é?

ARG – Mexeu com petróleo quando era até proibido falar em petróleo no Brasil (risos). Então, eu o admiro muito por que em minha vida eu sempre fui muito prático, trabalhando, criando família, sempre de pé no chão, mesmo! E agora estou no caminho da roça, estou trazendo a leitura para um tipo de leitor... pra todo tipo de leitor. Uma leitura compreensiva, que qualquer jovem, qualquer criança pode ler, não só pelo teor como...

AB – É uma leitura prazerosa.

ARG – Exatamente. É um passa-tempo literário, vamos dizer assim.

AB – Mas voltando aqui à questão do próximo livro, já está no forno?

ARG – Estou preparando, sim.

AB – É um livro de contos, também?

ARG – Eu continuo nessa série de contos até que haja alguma modificação na minha inspiração.

AB – Pretende escrever um romance, seu Antônio?

ARG – Olha, não pretendo. Como não pretendia , não pensava em escrever história infantil. A minha inspiração inicialmente é o conto para adultos, sem ser especificamente para adulto, qualquer criança pode ler que vai entender perfeitamente. Mas já me ocorreu, já teve um dia em que sentei em frente do computador e escrevi três contos, sem querer. Foi sem querer.

AB – Que coisa! Foi sem querer, querendo!

ARG – (risos) então eu espero com toda tranqüilidade que as coisas vão acontecendo. Sou um canal aberto. (mais risos)

AB – Bacana, é isso mesmo. Agora, o senhor escreve no computador ou ainda é daqueles que escrevem de próprio punho?

ARG – Escrevo no computador. Escrevo à mão às vezes quando estou viajando... então escrevo...

AB – Está sempre com um bloquinho e caneta?

ARG - ...mas é uma dificuldade, depois, para passar para o computador, porque eu mesmo não entendo o que escrevi, na rapidez. Mas eu escrevo no computador, todos os dias passo muitas horas no computador.

AB – Quantas horas em média?

ARG – Quatro horas em média. Na parte da manhã, passo de três a quatro horas escrevendo. E aí, haja produção, né (risadas gostosas).

AB – Gente, que coisa deliciosa! Deve estar não é só com um livro em preparo, deve estar com uns vinte, não é?

ARG – Eu parti... eu sou muito pragmático. Sou prático mesmo. Quando eu vi que tenho uma orientação muito grande da professora Graça Rios, que é a revisora de meus contos – ela é autora de livros também. É ela quem está me orientando, faz a revisão de todos meus contos, na medida em que vou escrevendo, ela vai revisando. Então me levou a verificar o seguinte: tenho capacidade de produzir – estou produzindo – um conto por semana, toda semana escrevo um conto. Então, baseado nisso, eu estabeleci um projeto literário que eu chamo de Milistórias. Estou escrevendo as Milistórias.

AB – Gente, que delicia!

ARG – Tá vendo aí na capa desse (livro) Milistórias 1? É o primeiro de uma série de livros que vão editar minhas Milistórias. É como se fossem as 1001 noites modernas.

AB – Gente, olha aqui (mostra a capa do livro, em close). Com essa vontade que o senhor tem, eu não duvido é nunca que o senhor chegue às 1000, 2000, 2001 histórias! O que é que o senhor acha da língua portuguesa?

ARG – Acho que a língua portuguesa – a língua portuguesa brasileira, que nós usamos, que nós estamos usando (aqui) tem que ser adotada oficialmente.

AB – A que a gente fala?

ARG – A língua portuguesa brasileira tem que ser adotada oficialmente. Porque inclusive há uma tendência, os autores já estão escrevendo o coloquial há algum tempo. Mas você veja os jornais. Os jornais, que atingem o povão, que tem que atingir o povão, têm – ou pelo menos, os grandes jornais – têm os seus manuais de redação que são exatamente dentro da língua portuguesa clássica, com todas as regras. Então isso daí, eu acredito, que os jornais poderiam entrar por aí, mas é muito difícil, né? Agora, sem falar no beneplácito da Academia Brasileira (de Letras). Esses daí, o dia em que eles... Aliás, u estava vendo uma novela dos tempos coloniais...

AB – A Padroeira?

ARG – É, A Padroeira. Ali vemos o tratamento de vosmecê pra cá, vosmecê pra lá... hoje já passou para você, ocê e para cê. Isto aí eu acredito que já devia estar nas gramáticas. Mas sabe quando que isto vai para as gramáticas? Daqui uns duzentos anos, né?

AB – Eu acho a nossa língua riquíssima. É assim, infelizmente, como o sr.colocou. Os jornais não chegam ao povão, porque é caro para eles, verdade seja dita. Até mesmo nossos livros são caros, não chegam até eles, e eu acho que o problema maior nosso é exatamente todas essas ramificações, porque acaba que a gente se perde. Nós, os profissionais, quantas e quantas vezes não temos que consultar os dicionários, porque a nossa língua é rica demais e eu acho que a gente não poderia se perder, como a gente se perde. Deveria ter essa liberdade, né?

ARG – Aí vale mencionar o grande Guimarães Rosa. Foi um verdadeiro desbravador da língua brasileira, ou da língua portuguesa-brasileira. Quanta coisa bacana ele encontrou, ele colocou, ele criou e hoje nós estamos usando aí. Já tem até um trABalho que é um dicionário dos termos do Guimarães Rosa.

AB – Que coisa, gente!

ARG – Eu acho maravilhoso isso aí – a possibilidade que a gente tem...

AB – Eu também acho bem interessante, adoro nossa língua fantástica e acho que a gente tem de estudar sempre,é um eterno aprendizado.

ARG – O dia que a gente não aprende alguma coisa, a gente perdeu o dia.

AB – (recebendo um recado escrito) Olha só! Terezinha de Sá, parece que foi sua colega na Universidade da Terceira Idade na PUC em ‘ 94. Ela manda dizer que está muito feliz com seu sucesso como escritor e manda dizer que está com saudades. Olha só que legal!

ARG – (risos) Terezinha! O meu abraço, muito obrigado e felicidades para você também!

AB – Olhai, Terezinha, muito obrigada pela participação. Que jóia! E você aí em casa, faça como a Terezinha, participe com a gente. Nosso telefone é 3275-3523. (mostrando o livro em close) Bem, deixa eu mostrar pra vocês mais uma vez a capa da “A Loucura do Cristal”, do senhor Antonio Roque Gobbo. As 25 primeiras das 1001 histórias que ele pretende escrever. E Nosso tempo acabou, acredita?

ARG – Eu te agradeço...

AB –Promete voltar?

ARG – Quando você quiser. Quando me convocar.

AB – Tá bom, que ótimo!

ARG – Vou falar, na próxima vez em que estiver com você, da próxima vez que estivermos juntos, da biblioteca de quadrinhos que eu organizei e que hoje faz parte da Biblioteca Municipal. Mas isso é papo para outra entrevista, viu?

AB – Ah! Não acredito! Vai me deixar curiosa?

ARG – Claro (risadas)

AB – Então vai voltar antes do eu imagina. Olha gente, ele é safadinho! – Tou brincando!. Muito obrigado pela sua presença, o senhor é uma simpatia.

ARG – Eu é que agradeço.

AB – Que o senhor produza 50 mil livros pra alegrar a vida da gente, né?

ARG – Muito obrigado. Felicidades. Muito obrigado pela atenção.

AB – Não por isso. Gente, olha só que bacana(mostra o livro mais uma vez em close). Ah! A Loucura do Cristal está disponível nas melhores lojas do ramo...

ARG – Aqui em Belo Horizonte por enquanto.

AB – Se você quiser adquirir a obra do senhor Antonio Roque Gobbo, já sABe, na?

ARG – Se você quiser também tenho serviço de entrega a domicílio.

AB – O telefone de contato, por favor.

ARG – Posso falar? Telefone de contato: 3334-7126.

AB – É este telefone de contato do senhor Antonio Roque Gobbo.

ARG – Posso falar o preço, também?

AB – Pode, com certeza.

ARG – Quinze reais, entrega a domicílio (risadas)

AB – Olha só, com entrega e tudo! Ah, não gente, tá de bom tamanho. Obrigada mais uma vez.

ARG – Felicidades.

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Tempo real da entrevista: 00:19:25

Transcrição terminada em 27 de março de 2002

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ANTONIO ROQUE GOBBO

Belo Horizonte, 27 de março de 2002

“Conto” # 152 da Série Milistória

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 15/04/2014
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