A PRESSA É INIMIGA DA DIGESTÃO
Sexta-feira, 21h. Karina havia chegado de um longo dia de reuniões de trabalho que perdurara por toda a semana. Estava longe de casa, sozinha, hospedada em um hotel e morrendo de fome. Jogou-se na cama e ligou para a cozinha do hotel. Diante do cardápio que não lhe despertou qualquer interesse, pediu um “sanduíche caprichado” e acrescentou ao atendente que estava com uma fome de leão. Em seguida, tomou um rápido banho morno, vestiu a camisola, deitou-se na cama, virou para o lado e adormeceu.
Não sabia quanto tempo se passara, mas parecia que mal havia piscado e alguém já tocava a campainha. Levantou-se cambaleante para ver quem era, entreabriu a porta e surpreendeu-se ao encontrar o garçom com seu sanduíche no carrinho de serviço. Ele pediu desculpas pelo atraso, justificando que vários hospedes haviam ligado para a cozinha e que o cozinheiro sempre seguia a ordem de chegada dos pedidos. Ainda tonta, ela limitou-se a dar um meio-sorriso e agradecer, pedindo ao garçom que deixasse o carrinho ali que ela mesma o traria para dentro. Olhou para o relógio e viu que já havia se passado uma hora desde o momento em que ligara para a cozinha do hotel.
Assim que o garçom se virou, ela puxou o carrinho para dentro do quarto. Sentou-se na beirada da cama e, enquanto dava uma generosa mordida no sanduíche, pegou o controle remoto para ligar a TV ao mesmo tempo em que seu celular começou a tocar e ela se virou para atendê-lo. Então, tentou engolir a porção do sanduíche que havia mordido e ficou entalada.
Apesar de sentir o coração acelerado, pensou naquilo que sempre recomendava ao seu filho, tentou manter a calma e abrir os braços para desengasgar. Contudo, a técnica “infalível” não funcionou para ela... Então, deu-se conta que estava sozinha em um quarto de hotel e não havia ninguém para ajudá-la. Ela também não poderia fazer uma ligação telefônica, pois não conseguiria falar. Ironicamente, imaginou logo a manchete dos jornais: “Mulher morre engasgada com sanduíche”...
Assim, saiu do quarto rapidamente, tentando encontrar alguém que a socorresse, mas não havia nenhum funcionário do hotel no corredor. O ar lhe faltava, sentia que poderia desmaiar a qualquer momento e então certamente morreria. Uma onda de pânico e terror a invadiu, tentou abrir a primeira porta que encontrou, tentou a segunda e a terceira também, mas apenas na quarta tentativa obteve sucesso. Escancarou a porta e adentrou no quarto sacudindo os braços, com a boca aberta e o os olhos arregalados. No recinto havia uma moça deitada na cama, vestida com uma curtíssima camisola preta rendada que imediatamente puxou o lençol para se cobrir e gritou.
Karina pensou que se dependesse daquela mulher ela iria morrer, mas, infelizmente, não dispunha de tempo para encontrar outra alternativa. Correu para perto da cama gesticulando, mas a moça limitou-se a dar outro grito. Já sentia que estava perdendo as forças, apontava para a boca tentando se comunicar, mas a mulher histérica certamente devia estar pensando que ela era uma psicopata ou coisa parecida. Enquanto ela gesticulava a mulher gritava e ficaram naquele impasse por alguns segundos que lhe pareceram intermináveis.
Felizmente, o grito da mulher atraiu para o quarto seu companheiro que saiu do banheiro correndo e completamente nu. Assim que viu Karina apontando para a boca aberta, com os olhos esbugalhados e o rosto vermelho, ele entendeu a mensagem. Correu para junto dela e lhe aplicou um vigoroso tapa nas costas, mas o golpe não funcionou. Então ele fez com que ela se inclinasse para frente e deu-lhe outro tapa, mas ela ainda continuou engasgada. Por fim, ele a agarrou por trás e, com os braços sobre seu estômago, deu-lhe três apertos e finalmente o pedaço de sanduíche voou para fora da boca de Karina.
De repente, o silêncio foi quebrado por um grito. Um casal de velhinhos que passava pelo corredor, sem entender o que estava acontecendo e vendo a cena final do desengasgo postara-se em frente à porta do quarto e gritava “Que pouca vergonha!!! Em que mundo nós estamos??? Se você querem fazer sexo pelo menos fechem a porta do quarto!”
Completamente esgotada, Karina sentou-se no chão, sua visão foi ficando turva e bolas pretas surgiam em frente dos seus olhos. Estava desorientada e enquanto ainda respirava ofegante, pensou: “Até que enfim alguém me entendeu...”.
Mas agora havia outra pessoa gritando coisas que ela não conseguia entender. Ouviu uma voz masculina tentando dialogar e outra feminina que gritou: “Polícia! Polícia! Tem um tarado no hotel!”.
Então, Karina começou a perceber que aquele fuzuê havia sido causado por ela. Olhou em volta e viu-se como personagem principal de uma cena ridícula: ela de camisola, o homem que a socorrera completamente nu e tampando o órgão genital com as mãos, a moça de camisola preta na cama e agora uma velhinha que gritava e chamava a polícia.
Enfim, a moça de camisola tomou uma atitude sensata e correu para o banheiro para buscar uma toalha para seu companheiro. Depois começou a querer explicar aos velhinhos o que havia ocorrido, mas seus trajes também não eram dos mais próprios para uma conversa com desconhecidos. Enquanto ela tentava convencer a velhinha a parar de gritar, o velhinho, que há muito tempo não via tanta carne nova exposta “ao vivo”, a despia com os olhos. Ao perceber que seu companheiro estava completamente hipnotizado com a moça de camisola de renda preta, a senhora ficou ainda mais enfurecida e passou a agredi-la verbalmente, chamando-a de sem-vergonha dentre outros adjetivos negativos.
Diante de toda a confusão, Karina sentiu suas forças acabando até que desmaiou e não viu mais nada.
Sábado, 8h. Karina acordou assustada, olhou em volta e percebeu que estava no seu quarto de hotel. Pensou: “Que pesadelo horrível, aquele sanduíche deve ter me causado uma indigestão”. Levantou-se da cama e viu o carrinho de serviço dentro do quarto, por curiosidade levantou a tampa da bandeja e o sanduíche não estava lá. Respirou aliviada, certamente tivera uma indigestão enquanto dormia. “Foi tudo um pesadelo, ainda bem... Se tudo aquilo fosse verdade nem sei como colocaria a cara para fora do quarto hoje...” – pensou e riu. Entrou no banheiro e enquanto escovava os dentes relembrou o pesadelo que tivera. “Parecia tão real...”.
Enrubesceu ao imaginar a cena do desengasgo e os fatos subsequentes. Chegou a sentir falta de ar ao relembrar o sonho ruim e falou para si: “Minha Nossa! Se aquilo fosse verdade eu me jogaria daqui da janela do quarto, porque por aquela porta eu não teria coragem de passar nunca...”. Saiu do banheiro para arrumar a mala, deu a volta na cama e, de repente, pisou em algo: o sanduíche da noite anterior estava no chão praticamente intacto, com apenas uma mordida...
Não sabia quanto tempo se passara, mas parecia que mal havia piscado e alguém já tocava a campainha. Levantou-se cambaleante para ver quem era, entreabriu a porta e surpreendeu-se ao encontrar o garçom com seu sanduíche no carrinho de serviço. Ele pediu desculpas pelo atraso, justificando que vários hospedes haviam ligado para a cozinha e que o cozinheiro sempre seguia a ordem de chegada dos pedidos. Ainda tonta, ela limitou-se a dar um meio-sorriso e agradecer, pedindo ao garçom que deixasse o carrinho ali que ela mesma o traria para dentro. Olhou para o relógio e viu que já havia se passado uma hora desde o momento em que ligara para a cozinha do hotel.
Assim que o garçom se virou, ela puxou o carrinho para dentro do quarto. Sentou-se na beirada da cama e, enquanto dava uma generosa mordida no sanduíche, pegou o controle remoto para ligar a TV ao mesmo tempo em que seu celular começou a tocar e ela se virou para atendê-lo. Então, tentou engolir a porção do sanduíche que havia mordido e ficou entalada.
Apesar de sentir o coração acelerado, pensou naquilo que sempre recomendava ao seu filho, tentou manter a calma e abrir os braços para desengasgar. Contudo, a técnica “infalível” não funcionou para ela... Então, deu-se conta que estava sozinha em um quarto de hotel e não havia ninguém para ajudá-la. Ela também não poderia fazer uma ligação telefônica, pois não conseguiria falar. Ironicamente, imaginou logo a manchete dos jornais: “Mulher morre engasgada com sanduíche”...
Assim, saiu do quarto rapidamente, tentando encontrar alguém que a socorresse, mas não havia nenhum funcionário do hotel no corredor. O ar lhe faltava, sentia que poderia desmaiar a qualquer momento e então certamente morreria. Uma onda de pânico e terror a invadiu, tentou abrir a primeira porta que encontrou, tentou a segunda e a terceira também, mas apenas na quarta tentativa obteve sucesso. Escancarou a porta e adentrou no quarto sacudindo os braços, com a boca aberta e o os olhos arregalados. No recinto havia uma moça deitada na cama, vestida com uma curtíssima camisola preta rendada que imediatamente puxou o lençol para se cobrir e gritou.
Karina pensou que se dependesse daquela mulher ela iria morrer, mas, infelizmente, não dispunha de tempo para encontrar outra alternativa. Correu para perto da cama gesticulando, mas a moça limitou-se a dar outro grito. Já sentia que estava perdendo as forças, apontava para a boca tentando se comunicar, mas a mulher histérica certamente devia estar pensando que ela era uma psicopata ou coisa parecida. Enquanto ela gesticulava a mulher gritava e ficaram naquele impasse por alguns segundos que lhe pareceram intermináveis.
Felizmente, o grito da mulher atraiu para o quarto seu companheiro que saiu do banheiro correndo e completamente nu. Assim que viu Karina apontando para a boca aberta, com os olhos esbugalhados e o rosto vermelho, ele entendeu a mensagem. Correu para junto dela e lhe aplicou um vigoroso tapa nas costas, mas o golpe não funcionou. Então ele fez com que ela se inclinasse para frente e deu-lhe outro tapa, mas ela ainda continuou engasgada. Por fim, ele a agarrou por trás e, com os braços sobre seu estômago, deu-lhe três apertos e finalmente o pedaço de sanduíche voou para fora da boca de Karina.
De repente, o silêncio foi quebrado por um grito. Um casal de velhinhos que passava pelo corredor, sem entender o que estava acontecendo e vendo a cena final do desengasgo postara-se em frente à porta do quarto e gritava “Que pouca vergonha!!! Em que mundo nós estamos??? Se você querem fazer sexo pelo menos fechem a porta do quarto!”
Completamente esgotada, Karina sentou-se no chão, sua visão foi ficando turva e bolas pretas surgiam em frente dos seus olhos. Estava desorientada e enquanto ainda respirava ofegante, pensou: “Até que enfim alguém me entendeu...”.
Mas agora havia outra pessoa gritando coisas que ela não conseguia entender. Ouviu uma voz masculina tentando dialogar e outra feminina que gritou: “Polícia! Polícia! Tem um tarado no hotel!”.
Então, Karina começou a perceber que aquele fuzuê havia sido causado por ela. Olhou em volta e viu-se como personagem principal de uma cena ridícula: ela de camisola, o homem que a socorrera completamente nu e tampando o órgão genital com as mãos, a moça de camisola preta na cama e agora uma velhinha que gritava e chamava a polícia.
Enfim, a moça de camisola tomou uma atitude sensata e correu para o banheiro para buscar uma toalha para seu companheiro. Depois começou a querer explicar aos velhinhos o que havia ocorrido, mas seus trajes também não eram dos mais próprios para uma conversa com desconhecidos. Enquanto ela tentava convencer a velhinha a parar de gritar, o velhinho, que há muito tempo não via tanta carne nova exposta “ao vivo”, a despia com os olhos. Ao perceber que seu companheiro estava completamente hipnotizado com a moça de camisola de renda preta, a senhora ficou ainda mais enfurecida e passou a agredi-la verbalmente, chamando-a de sem-vergonha dentre outros adjetivos negativos.
Diante de toda a confusão, Karina sentiu suas forças acabando até que desmaiou e não viu mais nada.
Sábado, 8h. Karina acordou assustada, olhou em volta e percebeu que estava no seu quarto de hotel. Pensou: “Que pesadelo horrível, aquele sanduíche deve ter me causado uma indigestão”. Levantou-se da cama e viu o carrinho de serviço dentro do quarto, por curiosidade levantou a tampa da bandeja e o sanduíche não estava lá. Respirou aliviada, certamente tivera uma indigestão enquanto dormia. “Foi tudo um pesadelo, ainda bem... Se tudo aquilo fosse verdade nem sei como colocaria a cara para fora do quarto hoje...” – pensou e riu. Entrou no banheiro e enquanto escovava os dentes relembrou o pesadelo que tivera. “Parecia tão real...”.
Enrubesceu ao imaginar a cena do desengasgo e os fatos subsequentes. Chegou a sentir falta de ar ao relembrar o sonho ruim e falou para si: “Minha Nossa! Se aquilo fosse verdade eu me jogaria daqui da janela do quarto, porque por aquela porta eu não teria coragem de passar nunca...”. Saiu do banheiro para arrumar a mala, deu a volta na cama e, de repente, pisou em algo: o sanduíche da noite anterior estava no chão praticamente intacto, com apenas uma mordida...
(Andra Valladares)
O conto acima foi transformado em roteiro para curta-metragem pelo cineasta capixaba Sérgio de Medeiros e foi disponibilizado hoje no youtube, podendo ser acessado através do link abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=_KiXIC2wJP4&feature=youtu.be