Nova dimensão
1
Ao pôr o cartão no Relógio-de-ponto, o vigia atrás do birô, lhe avisa:
- Seu Melo não precisa bater o ponto.
Perplexo ele se volta ao rosto mulato, de traços grosseiros do vigia e... Entende.
- Cartão arriado. Falar com o Cláudio do Setor-pessoal.
A mão trêmula. O repentino suor frio na testa, nas costas e, sem palavras, entrega o cartão ao vigia e em passos lentos, encaminha-se a sala à direita, um pouco adiante.
A tarde morrendo. O clique dos cartões sendo marcados pelo Relógio. As vozes. Risadas. Dos colegas... Tudo como se nada lhe tivesse acontecido, como se ele não estivesse desempregado, com a mulher grávida, a despesa para manter suas vidas!
Adentra na sala, como se carregando o fracasso de uma existência de repente atingida.
Com os olhos embaçados das lágrimas, respira com força e empurra a porta, indo ao encontro do destino, que o aguarda atrás do birô, na figura baixa, morena, de Cláudio.
- Senta aí, Seu Melo.
Atende e espera.
- Infelizmente, com a inflação que atinge nossa economia...
Escuta ou está num pesadelo, vítima de uma realidade impiedosa?
- Infelizmente...
2
Tudo passa, na lei natural da vida.
No terracinho, na cadeira de balanço, Melo se cadência, voltado às recordações do que tanto lhe marcou a existência de pobre, sacrificado operário, mas...
- Deixa pra lá, homem!
Sorri e se balança, enfim, em paz com a vida que lhe oferece nova dimensão em tudo. Outra visão da própria realidade.
“- Da própria realidade”...
Repete baixinho, dando força ao que sente. Com força sente.
Fecha os olhos e logo, adormece.
A velha chega ao umbral da porta da sala que se comunica com o terracinho e respeitando o repouso do marido, em passos cautelosos, retrocede ao interior da residência.
Que o Melo descanse... Afinal, ele bem merece esse repouso, como lutador de uma existência de pobre sacrificado, lutador de poucas glórias e... Bom companheiro.
- Sim, “bom companheiro”.
Então sorri, grata ao momento no qual se sente feliz.