O LIXO DE BRASILIA
Juca e Jeca são dois habitantes da pacata localidade de Brejo Seco. Longe da civilização,
são bem informados pelas notícias que chegam através da TV de Juca ou pelo radinho de pilha de Jeca. Encontram-se diariamente pelas manhãs, pois são velhos trabalhadores, aposentados e uma não dispensam a conversa no banco do jardim da praça principal da vila.
JUCA - Cumpadre, cê viu a confusão e o embaraço que estão tendo as autoridades de Brasília, com o lixo da Capital do Brasil?
JECA - Vi não cumpadre. Deu na TV ou cê leu no jornal?
JUCA - Deu na TV. O lixo tá encalhado.
JECA - Lixo encalhado, cumpadre? Uai, cumo é que pode?
JUCA - Vai que pode, cumpadre. O pessoal de Brasília pode tudo. Depois que congelaram a tal de URP, o que é que eles não podem fazer?
JECA - Tá danado, hein, cumpadre? Mas, conta aí. O que tão fazendo com o lixo de Brasília? Não é aquele famoso lixo atômico, né, cumpadre?
JUCA - Não, é lixo comum mesmo. O lixo das ruas, dos ministérios, da câmara dos deputados, do palácio do presidente, das casas e dos apartamentos.
JECA - Lixo ordinário, sei. E daí, que tá acontecendo?
JUCA - Sabe, eles,os home do governo, compraram uma usina de lixo na Europa, não sei se foi da França ou da Inglaterra. Instalaram a bruta. Aí viram que a usina não aceitava o lixo da capital federal, porque é um lixo muito sujo.
JECA - Peraí, cumpadre. Lixo sujo? Que negócio é esse, então tem lixo limpo?
JUCA - Pois é. O lixo de Brasília , como o de qualquer cidade brasileira, é sujo, tá tudo misturado: caco de garrafa com papel, resto de comida com coisa de hospital, seringa de injeção com módes, um lixo sem-vergonha. Então, as máquinas da tal usina vinda da Europa, que foi feita pra receber lixinho limpo, separadinho, não aceita a imundície que é o lixo da capital do Brasil.
JECA - Cê já imaginou quanta sujeirada sai dos ministérios, da câmara dos deputados, do palácio do governo, das mansões dos ministros, hein?
JUCA - Pois é. O governo foi obrigado a fazer um curso pros lixeiros.
JECA - Peraí! Curso de lixeiro? Ensinar os garis a catar lixo?
JUCA - Tal e qual ! Contrataram uma assessoria para ensinar os lixeiros...
JECA - Que é isso... assessoria?
JUCA - É como eles chama um pessoal que se diz entendido em certos assuntos, e que sai ensinando qualquer coisa. Desde ensinar os lixeiros a catar o lixo, como ensinar o presidente a não falar besteira.
JECA - Tá bão. Assessoria. Deve ganhar bem, esse pessoal, hein? Mas, então, e a usina?
JUCA - E contrataram até uma empresa particular para fazer funcionar a danada da usina.
JECA - Eta, mamata! Óia nóis lá pra mexer com esse lixo, hein? Lixo de deputado, de senador...Deve ser jóia! Fitinha de gravador, roupa suja que nem pode ser lavada...lixo rico, hein?
JUCA - Pois é. Então, depois que o lixo tá separado, pau com pau, cisco com cisco, ai a brutona transforma o lixo em adubo. Cê sabe, adubo orgânico, sem veneno, sem nada dessas químicas que estraga até o melhor terreno.
JECA - Disso nóis entende...
JUCA - Então, lá em Brasília, que o terreno é dos piores do mundo, esse adubo ia ser a salvação da lavoura, né mesmo? Mas aí veio outro problema.
JECA - Puxa, os home da capital são bamba em criar problemas, hein?
JUCA - Acontece que, no final das contas, o adubo fica até mais caro do que o outro, das fábricas de São Paulo. Pra encurtar a conversa, não tem nenhum agricultor querendo comprar o tal adubo. Nem mesmo tá sendo usado para estercar os gramados da capital, porque fede demais. Tá lá um encalhe de não sei quantas mil tonelada de adubo.
JECA - Uai, gente! Por que eles num vende mais barato, entram na concorrência com os adubos das fábricas?
JUCA - Ara, cumpadre, a tal usina pertence a um departamento do governo. Eles lá vão saber o que é concorrência ?
JECA - Agora tou entendendo porque o presidente Sarney teve de congelar as URP: é pra poder pagar a estocagem do lixo de Brasília.
ANTONIO ROQUE GOBBO
Belo Horizonte, Junho de 1989.
CONTO # 97 DA SÉRIE MILISTÓRIAS