UMA VELHICE

“Se somarem palavras, tirarem os parágrafos e juntarem cada espaço vira só um pequeno parágrafo em que pouca coisa, bastante insanidade ficam expostos. A lógica do mundo atual acabou sufocando a capacidade de raciocínio da maioria, seus questionamentos, e o senso crítico do ser humano. Pra quê, enfim, tanto lixo derramado em papel ou telas de computador?”.

Dormira tarde e mal o sol surgiu no horizonte, atrás daquela montanha, a estridente campainha tocou e como um despertador irritante uma voz do outro lado da linha lembrava-lhe do compromisso assumido para logo mais, bem cedo naquele último dia, desagradavelmente começado e já repleto de cansaço.

A noite anterior fora igualmente ocupada como já vinha fazendo nos últimos meses. Não saía da mente, porém, aquele pensar – ou não pensar – do ser humano. Surgiu em sua frente o cachorro que rodeava a casa, comia sofregamente sua ração, brincava e igualmente brigava conforme, parecia-lhe, dava nos ânimos.

“Afinal, pra que ser humano se o animal tem vida mais tranqüila? Não pesa em si a consciência, não possui responsabilidade para com nada, não precisa se comprometer com o próximo, nem mesmo tem a necessidade de ser-ter o núcleo familiar. Família? Basta o alimento dos primeiros dias de vida e, poft!, filhotes fora do ninho, cada um por si e Deus? Ah... Deus é coisa de humano!”

Levantou-se com a preguiça ainda insistindo pela permanência na cama. O colchão já vencera seu prazo de validade e causava-lhe sempre desconforto nas costas. “Será que a culpa é da idade?”. Olhou-se no espelho, viu os fios brancos na cabeça. “Fica feio passar uma tinta, e camuflar esses invasores? Preciso fazer algo a respeito...”.

Procurou seus remédios. Estavam no lugar de sempre, porém a sonolência influenciou a displicência e no mesmo instante esqueceu-se de que deveria tomá-los e, após todos os arranjos matutinos, o café corrido, saiu para o encontro e condenou-se por não ter tomado as pílulas. “Isso não é problema de sono. É velhice! Junte-se aos cabelos brancos a falta de memória, o que me resta? O passar dos anos...”.