Balde de gelo

Saí direto do trabalho para o shopping pensando em algum arranjo que pudesse estar faltando para completar a decoração da minha casa para a ceia do Natal, mas somente quando já estava estacionando é que concluí que eu precisava apenas de guardanapos; as outras coisas eu já havia comprado com antecedência. Na hipótese remota de que eu não tivesse alguma guirlanda guardada para a porta da frente, tomaria emprestado de uma amiga... a Sílvia, minha vizinha, pronto. Ela sempre tinha alguma coisinha sobrando mesmo! Não haveria problema quanto a isso, havia decidido.

Antes de pensar em qualquer outra coisa, resolvi fazer logo um lanchinho providencial, pois durante todo aquele dia eu não havia comido quase nada, envolvida que estava no atendimento aos pacientes que surgiam aos borbotões, por conta do verão que bombava. Sou nutricionista, mas já vou adiantando que comi apenas um sanduíche natural com pão integral, rúcula, essas coisinhas, mais um suco de limão bravo com um leve toque de gengibre e açúcar mascavo que costumo carregar em uma garrafinha térmica – preciso manter a minha imagem, apesar dessa tal de lei da gravidade.

Acabei o lanche e fui em direção àquela loja de departamentos para comprar guardanapos, quando, então, como num passe de mágica, estanquei: cheguei à conclusão, ali, defronte daquela vitrine de luzes piscantes e coloridas, de que eu precisava passar a fazer parte da estatística dos que têm balde de gelo! – já era Natal, e eu não teria um motivo melhor, pelo menos nos próximos doze meses, para comprar aquele mimo: o meu primeiro balde de gelo! E, diga-se de passagem, não se tratava de um balde de gelo qualquer; esse era todo trabalhado em prata 90.

Enquanto a atendente caprichava na embalagem, comecei a imaginar a cara dos convidados de logo mais à noite e... é, é isso, prata... Prata?! Nesse caso, – pensei – eu até que poderia aproveitar o ensejo, vendo também uma toalha nova para a mesa – não cairia bem, para quem passa a contar com o glamour de um balde de gelo prateado, usar qualquer toalha no Natal... Resolvido: microfibra de acetato! - é “da hora!” Difícil seria achar essa toalha assim, em tão pouco tempo... não, não seria difícil! - eu estava no Shopping – conhecia uma loja no terceiro andar que, por sinal...

Ah, que feliz coincidência - pensei - finalmente eu encontraria a toalha pretendida, estendida sobre aquela mesa que eu tinha visto na semana passada e...! Não! Não mesmo!... Onde já se viu isso, era só o que faltava; eu não iria comprar aquela mesa, não tinha dinheiro para tudo aquilo e... “Esta é uma mesa especial, para pessoas especiais como a senhora; foi anatomicamente concebida por uma equipe da NASA em puro Jacarandá – Bahia lá de Trancoso; - o vendedor já havia dito isso da última vez que estive no shopping, mas nesse momento é que as suas palavras ecoaram nos meus ouvidos com a potência de um frescor devastador característico daqueles que detêm o poder da persuasão, coisa que me remeteu às lembranças da mata atlântica da minha infância, com todos os seus efeitos sinestésicos e, em sendo assim, eu, inevitavelmente, iria comprá-la também.

Inebriada pelas excelentes aquisições, antes de voltar para casa, aproveitei para arrematar uma pechincha: “A cada meia dúzia de champanhe francesa adquirida, o cliente leva a sétima garrafa totalmente grátis” – é o Universo conspirando – delirei – com uma oferta dessas, não haveria forma melhor para inauguração do meu balde de gelo, afinal de contas, para que servem os cartões de crédito internacionais!

Cheguei em casa exausta, por volta das nove da noite, seguida pelo caminhão que me trouxe a mesa, a toalha, o balde de gelo, mais a caixa de champanhe e mal tive tempo de arrumar tudo isso na sala, tomar um banho e fazer a maquiagem, pois, logo, logo os convidados começaram a chegar em bloco: O Arthur com a Neemésia, mais o Antunes e a Clarice, O Pedro Paulo e o Paulo Pedro, Alicizinha e Mariana, a Claudete com a minha tia, meus irmãos Beto e Fernando com meus sobrinhos netos... – Leocádia, gritei em direção à cozinha – traga logo essas bruschettas!

Salvo um detalhezinho assim de nada, os guardanapos que acabei me esquecendo de comprar, o meu Natal foi inesquecível; quando todos foram embora, resolvi tomar o champanhe francês direto do balde de gelo!

Masé Quadros
Enviado por Masé Quadros em 23/03/2014
Código do texto: T4741186
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