A Procura da Verdade - 2ª Parte

A velha senhora se enterneceu com a situação do garoto. Olhou-o bem e, em seguida, dirigiu-se para o interior da casa. Após a refeição levou-o aos fundos e lhe mostrou seu quarto. Cama bem forrada, armário, tapete, e uma TV sobre uma estante. Exclusiva. Só dele. Com o passar dos dias e uma alimentação boa, enquanto mudava de aparência, o garoto ia aprendendo como lidar com as plantas. E velha senhora também o ensinou a cozinhar para que ele a ajudasse na cozinha. Além da filha médica que o apanhara na igreja, ela também tinha outra filha, esta por adoção. Ela era professora e se dava muito bem com o garoto. Logo descobriram um impedimento para a matrícula dele em uma escola formal. Ele não tinha documentos e não sabia quem os tinha e nem onde seus parentes poderiam estar residindo. Sabia apenas que seu pai poderia estar morando em um dos bairros da cidade onde sua avó, mãe adotiva em algum momento o levara à feira. Era por lá que começaria. A filha adotiva da velha senhora se prontificou a acompanhá-lo ao lugar de suas memórias. Andaram pelas ruas observando as casas, as pessoas... Sempre na esperança de que alguém o reconhecesse. Tudo em vão. Dois dias depois repetiram a busca e, mais uma vez, frustraram-se. Na semana seguinte ele propôs uma última busca. Desta vez sua companheira, a professora, não mais poderia ir.

Sua irmã também havia tido experiências. Durante a estada com sua avó, um dia saiu de casa e não voltou. Chegou a passar meses em um abrigo para adolescentes. Para a surpresa de sua avó, quando voltou, havia feito amizade com um rapaz e se consideravam noivos apesar de seus quatorze anos. Em uma visita de surpresa à casa da velha senhora, protetora do garoto e que era irmã de sua patroa, ela o trouxe. Eles comentaram sobre a morte do pai.

O garoto sentiu uma imensa tristeza. Chorou sem consolo. Disse não acreditar. Que lhe mentiam o tempo todo. O rapaz lhe entregou um jornal que estampava a notícia de um acidente. Um homem, que há muito tempo vinha cavando um poço no quintal de sua casa estava no fim da escavação quando o poço desmoronou. Era o seu pai. E a escavação ele chegara a ver o início, a dois anos atrás. Pegou o jornal e levou-o para o seu quarto na esperança de que quando aprendesse a ler desmentiria mais isso que estavam dizendo.

A velha senhora lhe pôs uns trocados no bolso para a passagem e ele voltou ao bairro de suas memórias. O ponto forte de suas lembranças era a feira. Havia uma rua à direita que dava num bairro satélite. Ele não lembrava de já ter estado lá, mas continuou seguindo. Olhando as casas. Bem devagar. Sentia um pouco de medo de andar por aqueles lugares estranhos onde não conhecia ninguém. Horas mais tarde, já cansado, resolveu sentar-se à sombra de um cajueiro quase em frente a uma das casas da rua. Um menino, aparentando ser uns dois anos mais novo que ele, saiu da casa e se aproximou. Ficou olhando-o com uma curiosidade diferente. Ele sabia que o conhecia, mas um misto de ansiedade e timidez o fez ficar quieto. Logo, uma menina mais nova ainda, saiu, o olhou e entrou acompanhada do irmão. Ele sentiu uma estranha emoção. Um nó na garganta. Mas não teve coragem de perguntar nada. Levantou e retornou pelo caminho que o levara até àquele ponto. Ao chegar a casa no fim da tarde relatou sua experiência à sua protetora. A velha senhora prometeu investigar o porquê. Descobrir a razão de sua emoção ao ver as crianças daquela casa e convocou mais uma vez sua filha professora para ir junto com ele ao local.

Era cedo quando chegaram. Ela bateu palmas à porta da casa do pé de cajus. Uma mulher chegou à porta.

- Meu filho?

- É você?

- Mãe?

-Onde você estava menino? Nós o procuramos tanto! Nunca paramos de procurar.

- A senhora tem os documentos dele? Perguntou-lhe a acompanhante.

- Não! Uns papéis que eu tinha, a mãe dele levou depois da morte do pai.

- A mãe dele? Mas... Não é a senhora?

- Não, eu sou a madrasta. A mãe dele mora numa vila aqui perto. Veio aqui um tempo desses para que lhe desse os documentos. Ela queria receber o benefício o INSS. Queria os documentos dos meninos. Eu disse que não tinha. De nenhum dos cinco.

- Cinco?

- É.

Foram muitas revelações em poucos minutos. O garoto estava tonto. Estava triste. Confuso. Em alguns momentos parecia que as pessoas, mais uma vez, o estavam enganando. Tripudiando de seus sentimentos. Mas ele ficou calado ouvindo o diálogo.

- E essas crianças? São suas? São! São os irmãos dele por parte do pai.

- A senhora poderia nos levar até a residência dela?

- Prefiro não ir. Ela me detesta! Quer ver o diabo, mas não quer me ver! Eu vou mandar meu filho lhe mostrar a casa. Ela também não gosta dos meus filhos, mas ele lhe indica de longe o volta logo.

Era um beco com casinhas geminadas. Na lateral havia uma mulher lavando roupas.

- Bom dia!

- Bom dia.

- A senhora sabe quem é este menino?

- Não. - A mulher respondeu insegura, depois de olhar bem para o garoto.

- Ele é seu filho. Um dos gêmeos. O outro morreu.

- Meu Deus! Eu procurei tanto! Ele é o primeiro que eu encontro.

A mãe biológica do garoto tinha outros três filhos de seu atual parceiro. Vivia dificuldades financeiras. Uma vida difícil. O companheiro dela era viciado em drogas e havia períodos em que ele desaparecia. Todo dinheiro que vislumbrava partia para consegui-lo e a presença do garoto seria uma esperança de obter o benefício. Ela achava que através dele chegaria aos outros filhos e de posse deles provaria sua condição de esposa do falecido junto às repartições publicas que lhe concederiam o benefício. Foi com essa perspectiva que reagiu à menção de professora de ir embora com o garoto. Ela o queria ali, com ela.

-Ele vai ficar aqui! Eu sou a mãe dele!

Mesmo desconfiada, a professora não teve outro remédio senão deixá-lo com ela. Foram dias de adaptação a uma família estranha. Quase em nenhum momento o sangue fez valer sua afinidade. Ele não tinha mais notícias da velha senhora que o acolheu tão bem. Era um espectador dos dramas daquela casa, por vezes fustigado pela insolência de sua mãe. Ela começara a culpá-lo pelas dificuldades. Dizia que ele trouxera mal agouro para a casa.

-Depois que esse menino chegou aqui nada dá certo! - Gritava... Cada vez mais frequentemente.

Certo dia, depois de beber muito, preparara leite para as crianças. Usou todo ele. O garoto havia observado que, em seu desatino alcoólico, ela havia usado leite demais, mas ficou quieto. Mais tarde ao perceber que não havia mais leite, ela o culpou e ainda sob efeito da bebida, surrou o garoto descarregando nele todo seu descontentamento. As idas ao INSS não havia surtido o efeito desejado. Os papéis que ela apanhara na casa da segunda esposa de seu marido não serviam como documento. Não tinham valor e a simples presença do garoto não provava que teria havido um casamento com o falecido. Nas andanças de sua mãe, descobriu-se que seu irmão mais velho havia sido dado para adoção por sua avó no início da crise do primeiro casamento e que a filha de quatorze anos havia sido registrada como filha dessa mesma avó, portanto, legalmente não havia filhos nem marido. Dias depois, desesperada, a mãe do garoto trancou a casa e saiu com as crianças deixando o garoto preso no quarto. Ele tentou sair de todas as formas, mas somente no terceiro dia conseguiu. Apesar de próximos, os vizinhos não ousaram interferir, embora tenham se sensibilizado quando o garoto expôs as circunstâncias. Deram-lhe um prato de comida e ele partiu em busca da casa de sua velha senhora protetora.