A Missa do Galo

Era o ano de 1960.

Cheiro de festa e preparativos para o Natal estava no ar. A alegria era geral, não se falava em outra coisa. A última vez que foi visto tanta empolgação e felicidade assim, foi na época das festas juninas.

A cidade era pequena, uma daquelas cidades do interior de Minas com todo aquele sotaque e palavras, que só quem nasceu por ali poderia entender.

Na venda do Sr Joaquim, onde todos se encontravam para tomar uma caninha, era o local preferido dos moradores mais velhos e experientes. Uma cachacinha ou um pedaço de queijo com café era costume dos rapazes desde que começavam a usar calças compridas se sentindo homens.

Entre eles,o assunto era o padre Antonio que chegara há pouco na cidade. Todos estavam encantados.

A procissão estava marcada para às 21 horas, não permitindo atraso.

As meninas estavam prontas, vestidos novos e cabelos armados ansiosas para conhecerem alguém,

podia mesmo ser alguém de fora, que no fundo seria melhor.

Casar e mudar daquela cidade seria resposta as suas rezas incessantes do ano inteiro.Viver ali em dias comuns era o tédio. Julinha, Maria e Jacinta estavam juntas, encantadas com aqueles rapazes no vigor da mocidade que, pela aparência, eram pessoas da capital com certeza.

Se aproximaram e logo foram convidadas para acompanharem a procissão.

Elas pareciam maravilhadas. Foram formando os pares e a empolgação era tanta,que a Julinha distraída pelos olhos verdes do Carlinhos, aproximou demais a vela da cabeça de quem estava logo à sua frente, que em excelente combustão, causa chamas que começaram a subir pelo véu branquinho da Dona Toninha, véu de renda pura do nordeste, sempre limpinho para ser usado. Ela puxava o coro e todos cantavam juntos.

Com chamas enormes, o calor queimando o couro cabeludo, começaram a gritar quando outros que seguravam o andor olharam para trás assustados, perdendo o equilíbrio deixando a santa cair. Tudo quebrado. Cabeça tronco e membros espalhados pelo chão. Alguns mais assustados ainda quando viram o padre rindo sem parar de toda aquela bagunça. Parecia ter fumado um baseado. Pecado maior não existe diziam os mais fiéis. Alguns achavam que dali em diante, a cidade que era tão querida dos nascidos por lá, poderia mesmo ser castigada, amaldiçoada por tamanha heresia. Era rezar em dobro para o perdão não tardar.

Todos se espalham, a procissão não podia seguir com tanta falta de ordem.

As três meninas rindo sem controle, felizes por uma oportunidade assim, saíram em direções diferentes. Cada uma com seus respectivos amores instantâneos. Atrás da igreja era um lugar tranquilo, pensou a Maria que já tinha estado por lá no ano passado. Ela, agarrada ao Leandrinho, riam e murmuravam em alto e bom tom, mas não eram os únicos gemidos.

De outro ponto podia-se ouvir murmúrios parecidos. Mas tão agarrados e desfrutando de tantos prazeres, quem poderia dar atenção a qualquer outra coisa? Na escuridão, só viam vultos aproximando por ali. Um deles era o Jucelino que sem namorada, estava observando as safadezas das meninas. E para um caboclo esperto como era, não foi difícil profetizar que em breve aquela cidadezinha tão querida, ganharia mais três filhos, mais três cidadãos de bem antes do próximo natal.

Profecia cumprida....

A confusão estava formada. Na rua o padre sem saber o que fazer, passou a ser visto como culpado e vilão. Não parava de rir. O reverendo, de amado passa a ser vitima quando aumentaram as dúvidas de

sua autenticidade. Não tardou a piorar a situação quando um forasteiro se aproxima bêbado e abraçando o padre acaba com qualquer restinho de duvida de que era mesmo um falsário, que tinha se mudado

para aquela cidade fugido da policia da capital. Isso foi suficiente para que alguns tivessem a ideia de linchar o coitado, que desesperado, corre desaparecendo no meio das pessoas. O cavalo que estava sempre selado, pronto para uma emergência assim, sai em galope levantando poeira sumindo na escuridão.

O prefeito, que não quis e nem poderia perder a oportunidade, pega o microfone e antes que pudesse começar com a promessa de trazer o melhor padre da região para o próximo ano,

O galo cantou pela terceira vez

Mi neiro
Enviado por Mi neiro em 16/03/2014
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