Somente um engano

Gisele estava lendo e, de repente, parou para pensar nos últimos acontecimentos. Sempre foi uma pessoa de quem os verdadeiros amigos gostavam muito, pois sabiam que ela era sincera, franca, honesta, transparente e estava sempre à disposição dos que dela necessitavam. O mesmo não acontecendo com as pessoas de quem não era amiga. Não sabia o motivo pelo qual certas criaturas implicavam com ela. Mas eram sempre criaturas de quem as pessoas de caráter não gostavam: fúteis, vazias, mentirosas, hipócritas, arrogantes e burras, além de muito desinformadas. Mas havia outra coisa: por ser muito franca, ela sempre dizia o que tinha vontade, o que achava das coisas, etc. E isso sempre incomoda os que se escondem, os que não se mostram como são verdadeiramente.

Com o passar do tempo, e após perguntar a alguns amigos, todos afiançaram que era realmente isso. Mulher inteligente e perspicaz assusta, franqueza e percepção irritam os que aparentam ser o que não são.

Mas tudo bem, sempre tirou de letra essas coisas, pois desde criança era verdadeira e voluntariosa, se recusando, inclusive, a falar com quem ela não gostasse, mesmo que os pais tentassem obrigá-la. Só que nenhuma dessas pessoas se apresentou como amiga e ela nunca os viu dessa forma.

Certa vez uma amiga, de quem ela gostava muito e a quem ajudava sempre, foi grosseira com ela. Gisele chorou o dia inteiro por causa disso. Mágoa dói muito mesmo. No dia seguinte se acertaram, mas um dia a amizade se rompeu. Pudera, a outra era um poço de arrogância e tinha inveja e muitos ciúmes de tudo, até mesmo da relação dos filhos com ela.

O mundo não lhe interessava muito e buscava, a qualquer preço, o isolamento. Somente se relacionava com quem conhecia e confiava.

Na faculdade, Gisele cursou meio ano sem sequer olhar para trás, já que sentava-se na primeira fila. Fez amizades com os que estavam mais próximos, mas nunca procurou se entrosar com ninguém. Era preciso que se aproximassem caso houvesse interesse em conviver com ela. Um dia Gisele ouviu uma voz linda replicando algo que o professor disse. Ao olhar para trás, ela viu um homem lindo e perguntou à amiga que sentava-se ao seu lado: quando esse cara entrou na faculdade? Ao que a amiga respondeu: desde o início do ano. Ela foi obrigada a rir, pois nunca havia percebido a presença do colega de classe.

E foi tocando sua vida da maneira que achasse melhor. Não fazia nada para agradar a ninguém, somente à ela mesma. Gisele vivia dizendo que fazer para agradar aos demais era o mesmo que se prostituir. Afinal, autenticidade e personalidade eram suas mais fortes características. Isso também irritava os que não tinham coragem de serem autênticos, já que os fariam diferentes das demais pessoas. Oh, e como é importante estar na moda, ter carro do último tipo, usar roupas caras e viver de fofocas! Quanta idiotice! Que pobreza cultural e espiritual!

Mas nunca teve o menor aborrecimento com nada disso. Andava de forma altiva e confiante, mal olhava para os lados. Isso às vezes trazia algum contratempo, pois não via pessoas que conhecia e a cumprimentavam. Não o fazia por mal, somente vivia imersa em seus próprios pensamentos e se ocupava de sua vida e jamais reparava no jeito dos demais.

Mas um dia a situação pode se tornar complexa, pois nem todos entendem o jeito dela ser. Foi o que aconteceu e, ao recordar-se, perdeu a concentração no livro. Nada que a fizesse mudar e nem alterar o seu dia a dia. Somente mais uma pessoa na imensidão de cabeças que habitam o planeta Terra.

O importante era o aprendizado. Ela sempre aprendia com algo que desse errado ou a ferisse. Dessa vez ela aprendeu a não mais confiar e nem acreditar estar diante de uma pessoa que era realmente como se apresentava. O ser humano nem sempre se mostra com a verdadeira face, mas isso se tornava logo visível para ela. Agora ela sabia que era passível de enganos imensos e aprendeu a não mais confiar em suas impressões e, muito menos, a tentar ajudar pessoas que não querem ser ajudadas. Colocaria o pé atrás para sempre.

Bem, passou, já foi. Agora ela continuaria a ser mais cautelosa, mas não alteraria seu modo de viver, de ver o mundo e de ser ela mesma. Só que com os dois olhos muito bem abertos.

E viva a vida!

Campos dos Goytacazes, 13 de março de 2014 – 23:44 horas

Emar
Enviado por Emar em 13/03/2014
Reeditado em 13/03/2014
Código do texto: T4727808
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