CONCURSO PÚBLICO

= CONCURSO PÚBLICO =

— Que você quer fazer em Contagem? Lá não tem nada. — Jair não quer ir, dificulta as coisas.

— Quero ver a Cidade Industrial. — Ramiro insiste na idéia. — Tenho um amigo que me encarregou de ver a fábrica da Manesmann. Quer comprar ações e deseja saber se é bom investimento.

Foram e nada viram. Jair confirmou sua informação inicial, Ramiro ficou decepcionado. A Cidade Industrial nada mais era que uma região de campos e suaves colinas, a superfície riscada por “ruas” traçadas com máquinas de terraplanagem. Não havia sequer uma construção, nada.

— Puxa, parece tudo uma grande enganação. — É a primeira impressão de Ramiro.

Jair, que já mora na capital há alguns anos, tem outra opinião.

— Aqui está tudo em fase de construção. O governo do estado está empenhado em fazer esta cidade industrial longe do centro da cidade, a fim de desviar o movimento de caminhões, ônibus e trens de carga para um local determinado. Pode ser que daqui a alguns anos as indústrias transformem esta região na tal de “cidade industrial”.

Na tarde daquela quinta-feira, Ramiro foi ao Colégio Arnaldo, onde estava sendo realizado o concurso para funcionário público federal. Ao subir as imponentes escadas, ficou admirado pelo tamanho do edifício e a beleza da construção. Aos olhos do jovem interiorano, assemelhava-se a um castelo da Espanha — que ele só conhecia por fotografias.

As primeiras provas do concurso foram fáceis: português, conhecimentos gerais e, naturalmente, a dissertação sobre o tema “Porque quero ser funcionário público”. Ramiro tirou de letra e saiu animado.

Era mês de julho, as férias escolares de trinta dias deixavam as escolas e colégios vazios. Aproveitava-se a vacância do colégio para a realização do concurso.

— Pombas, como é grande o Colégio Arnaldo ! — Ramiro expressou sua admiração na roda de amigos, reunidos à noite na lanchonete Bob’s da Avenida Afonso Pena. — E quanta gente fazendo o concurso ! Acho que tem mais de mais de duzentos candidatos.

— É o melhor colégio da cidade. — Fernando, nascido em Belo Horizonte, conhecia tudo e explicava com orgulho aos amigos do interior. — Se você quiser, Ramiro, amanhã de manhã podemos ir pelos lados da Pampulha. É longe mas vale a pena, é um bairro muito bonito.

Combinaram, pois, um passeio para a manhã seguinte. Ao chegar na pensão onde estava hospedado, Ramiro estava cansado. Deixou-se cair na cama, sobre a colcha, e ficou quieto por alguns minutos.

“Arre, que agitação! Em apenas quatro dias nesta cidade, quanta coisa nova e diferente já vi.” recorda-se dos momentos mais importantes da sua viagem. O primeiro foi o embarque no avião da “Real Aerovias”, em Passos. Pela primeira vez viajou em um avião ! A viagem foi tranqüila na clara manhã, mas Ramiro passara mal do estômago, teve de ir duas vezes ao minúsculo cubículo no fundo do avião, onde vomitara muito. O constante barulho dos motores era quase que insuportável. “Avião, nunca mais! “, chegou a pensar, naqueles momentos, mas agora só se lembrava dos melhores momentos.

Quando o bimotor sobrevoou a grande cidade, Ramiro viu, por entre as nuvens, o casario se estendendo por uma vasta região. Jamais pensara que uma cidade pudesse ser tão grande. Ficou com medo. “Como é que vou achar o colégio pra fazer o concurso? Vou ficar perdido.”

Jair o esperava no aeroporto. Tomaram um ônibus para o centro da cidade, o percurso durou quase meia hora. A proprietária da pensão, dona Guilhermina, gorda, simpática, já tinha arrumado o seu quarto. Chegara na manhã de segunda-feira e o concurso ia ser realizado na quinta e sexta-feira.

Ramiro estava satisfeito, tinha aproveitado a tarde da segunda-feira para familiarizar-se com a cidade, reencontrar Jair, Fernando e outros amigos e passear um pouco.

A idéia de fazer concurso para funcionário público fora plantada na sua cabeça pelo seu Odilon Guimarães. Funcionário da Coletoria Federal, era um entusiasta do emprego, da sua carreira. Todas as vezes em que Ramiro ia à Coletoria a serviço (era contínuo do Banco de Crédito Real), seu Odilon foi lhe falando das vantagens de trabalhar para o governo federal, pagava muito melhor do que os bancos, tinha uma carreira estável, e coisas assim.

Ramiro se entusiasmou . Estava com dezoito anos e havia terminado o curso de contador. Trabalhava no banco, recebia pouco, o salário de contínuo não dava para nada.

— Será que consigo passar no concurso? — indagou.

— Claro, você já tem diploma de contador, é só ler uns livros que vou lhe emprestar. — Seu Odilon animava o jovem.

Ramiro pegou os livros e estudou para valer. Passou todo o primeiro semestre de ‘54 com a cara enfiada nos livros e cadernos. Em alguns sábados foi sabatinado pelo Seu Odilon.

— Vai tranqüilo, Ramiro, você passa na certa. — Além de ensinar, seu Odilon injetava uma grande dose de entusiasmo e coragem no jovem .

Ramiro preparou-se para a viagem. Comprou algumas roupas novas, mandou colocar meia-sola no seu sapato melhor. Orides, colega do banco, emprestou-lhe a mala de viagem. E aproveitou a companhia do Doutor Estevão, importante advogado que também ia à capital.

— Vou ficar no Hotel Amazonas. — informou-lhe Dr. Estevão, pouco antes de desembarcarem no aeroporto da Pampulha.— Qualquer problema, me procura ou me telefona. Temos de combinar a viagem de volta.

No segundo dia de sua estada na capital, Ramiro zanzou pela cidade. A Avenida Afonso Pena, intensamente arborizada com frondosas figueiras de copas aparadas caprichosamente, era uma via fresca e sombreada, agradável para caminhadas. Ramiro misturou-se ao povo. Visitou o Parque Municipal, gostou da frescura de suas alamedas. Admirou-se com as linhas arrojadas do Teatro Francisco Nunes.

Queria ver tudo, chegava a anotar num caderninho o que lhe chamava mais atenção. Não deixava passar nada sem uma observação, uma anotação. Andou de bonde e ônibus elétrico por diversos bairros: Funcionários, Sion e Alto da Afonso Pena. A Rua da Bahia tinha um movimento comercial intenso, muitos bares, lojas, bancos. Na Praça da Liberdade, admirou-se com os edifícios das secretarias, cada qual num estilo. O Palácio do Governador tinha ao fundo um conjunto de grandes árvores, que faziam uma moldura verde ao vetusto edifício.

— Vamos ver a Feira de Amostras? — o convite veio de Fernando. Ramiro gostou demais: era uma espécie de museu do estado. Além das grandes coleções de pedras preciosas e semi-preciosas, podiam ser vistas, em suas diversas salas, exposições temáticas: de produtos agrícolas, da pecuárias, artigos produzidos pelas indústrias. Centenas de fotos da capital e de cidades importantes do interior, de todas as regiões de Minas Gerais. Uma grande maquete apresentava um projeto idealizado do que seria a Cidade Industrial, num dos subúrbios da capital.

Na quarta-feira, Ramiro foi ao Mercado Central e chegou até a Praça Raul Soares. Imenso largo circular, com canteiros floridos e dezenas de flamboyants recém-plantados. Na praça desembocavam seis avenidas, entre elas a Avenida Amazonas.

— Que buracão é aquele ali? — Ramiro admira-se com uma enorme escavação nas proximidades da Praça.

— Estão começando um conjunto de apartamentos. Vai ser o edifício mais alto da cidade, só de apartamentos. — Fernando sabia tudo a respeito da capital — São dois edifícios, separados por uma rua, e vai ter uma passagem suspensa entre os dois edifícios, sobre a rua. As pessoas poderão passar de um edifício para o outro pela passarela.

— Que fedor ! Como é que o pessoal agüenta isso ? — Ramiro aperta as narinas.

— É que a lagoa foi esgotada no começo da semana. A barragem estava ameaçada de estourar. Veja lá naquela ponta: estão consertando a barragem. — Fernando aponta para o local onde homens e máquinas trabalham afanosamente.

Os três rapazes estavam sobre a barragem. De um lado, um enorme vale, coberto de lama, de onde exalava o incrível mau cheiro. A lagoa sem água. Do outro lado, estendia-se uma região plana, o Aeroporto da Pampulha, com pistas a perder de vista.

— Puxa vida ! Se esse açude arrebentar, vai acabar com o aeroporto! —

— É verdade, Ramiro. Só que o “açude” e tudo o mais que você vê por aqui, é um projeto do famoso arquiteto Oscar Niemayer. — informou Fernando.

O passeio ao redor da lagoa seca resumiu-se a visitas à Casa do Baile, à Igrejinha da Pampulha, passando pelo Iatch Club.

— Lá do outro lado, aquela caixa de cimento é o Cassino. Está fechado, dizem que vai ser transformado em museu de arte. — Fernando era o cicerone do passeio. — O circuito da lagoa tem quase 30 quilômetros, e no fundo fica o Jardim Zoológico. Muito longe daqui.

Tarde de sexta-feira. Ramiro voltou ao Colégio Arnaldo para fazer as provas de matemática, noções de legislação, de organização administrativa e sobre a Constituição do Brasil.

— Na matemática, fui bem. – Comentou com os amigos à noite, reunidos no Bob’s. A lanchonete fervilhava, tinha-se de falar alto para ser entendido. — Mas nestas questões de organização administrativa e legislação não fui bem, não. Acho que vai dar pra passar.

Ao saírem, despediram-se. Havia combinado com o doutor Estevão a viagem de volta para o sábado de manhã. Foi dormir cedo.

Quatro semanas depois, seu Odilon telefona para Ramiro.

— Corre aqui na coletoria, tenho uma surpresa pra você.

Ramiro quase advinha qual é a surpresa. Sai desabaladamente do banco, passavam poucos minutos das oito, não havia ainda iniciado suas tarefas do dia. Na coletoria, encontra seu Odilon refestelado em sua cadeira, o jornal aberto na sua frente, sobre a escrivaninha.

— Aí, meu jovem ! Não falei que você faturava essa ? Está aqui no Diário Oficial, seu nome com todas as letras.

— Graças a Deus! — Ramiro pega o jornal e examina a longa lista, na qual seu nome constava quase no final, já sublinhado com lápis vermelho. — Mas saiu depressa o resultado.

— Nem tanto. O Diário é de ontem, 23 de agosto. Você vai ser chamado ainda este ano.

Ambos estão eufóricos, quando chega Altamirando, esbaforido,

— Gente, nem acredito no que estão falando. Notícia do rádio, Repórter Esso, edição extra: o Getúlio suicidou-se! O presidente deu um tiro no peito !

====== ======

Direitos Autorais Registrados por

ANTONIO ROQUE GOBBO (ARGOS)

Belo Horizonte, 3 de novembro de 2000

MILISTÓRIAS © e ARGOS © são marcas literárias registradas

Antonio Roque Gobbo
Enviado por Antonio Roque Gobbo em 13/03/2014
Código do texto: T4727138
Classificação de conteúdo: seguro