A Mãe

Desceu ali. Entorpecidas, as pernas não quiseram ir mais longe e, ainda sem falar a ninguém, pousou a saca de lona e sentou-se num banco do jardim público. Poderia seguir até ao fim da carreira mas estava cansada, com fome, fraca. Contou as moedas e comprou o caldo que veio tomar na única mesa exterior da taberna. Dali via o povoado a escorregar pelo íngreme da estrada, o Largo da Igreja, a bica onde, pouco depois, lavou as mãos e o rosto. Secou os dedos na saia e sentiu, áspero, o vento na pele. Ainda lhe parecia tudo mentira: a morte do António, a guerra dos filhos na disputa da casa, das terras, da vinha. Ninguém se apiedou da sua solidão, da sua mágoa. Ninguém lhe perguntou nada nem achou necessário que falasse. Por isso meteu duas mudas de roupa numa saca, as economias que ela e o marido destinavam à compra de outra cabra e saiu sem fechar a porta deixando os três filhos no fragor da luta pelos melhores lotes da partilha. Ninguém contara com ela para nada. Viajou duas horas e, ciente da distância percorrida, achou que poderia recomeçar ali. Como não havia pensão voltou à taberna. – posso alugar-lhe um quarto que tenho aqui ao lado mas só se quiser trabalhar na cozinha, ofereceu Armando. Ajuda a fazer os petiscos, mantém o espaço limpo e acode ao balcão fazendo falta. De começo ofereço a comida, o alojamento e trezentos euros de salário. Depois, vendo o seu trabalho, falaremos em aumento. Serve-lhe? – Serviu. Parava quando o último freguês saía e depois de varrer e lavar o chão. Ele ajudava no que podia depois de contabilizar os ganhos. Jantavam juntos o que havia e percorriam cerca de duzentos metros até à casa onde ambos moravam. Entenderam-se logo no trabalho e, depois, nas falas. Eram ambos viúvos e maduros. Casaram no último Natal sem avisar ninguém.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 11/03/2014
Reeditado em 12/03/2014
Código do texto: T4724809
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